11.23.2015

NEOLOGISMOS DO MEIO GOSPEL (CONTINUAÇÃO)

44) “Eu recebi uma palavra “rhema” de Deus!”
Rhema? Rema? Remo? Rema, rema, remador…

Calma! “Rhema” não tem nada a ver com barco! O caso é até simples: trata-se de uma palavra grega que significa tão somente: “palavra”. Portanto, traduzindo a frase acima, seria: “recebi uma palavra ‘palavra’ de Deus!” Mas que raio significa isso?

Bem, lá pelos idos, num momento criativo (!), surgiu um neo-doutrina, segundo a qual Deus fala de duas maneiras (como se o infinito pudesse ser limitado a duas maneiras… rsrsrs): por meio da palavra “logos” e por meio da palavra “rhema”. Nesse vocabulário, “logos” seria a palavra escrita para todo mundo, a mensagem geral, ou seja, a Bíblia. E “rhema” seria uma palavra dita por Deus dirigida a uma pessoa, que pode constar na Bíblia ou não. Essa palavra “rhema” é a palavra criativa que as pessoas devem usar para “criar” realidades, determinar, declarar e por aí afora…

Mas o fato é que tanto a palavra “logos” como a palavra “rhema” são sinônimas. Ambas significam a mesma coisa: “palavra”. “Logos” é mais usada (aparece centenas de vezes) no Novo Testamento e é traduzida quase sempre como “palavra”, mas também como “linguagem”, “notícia”, “ensino”, “ditado”, ou seja, “o que se diz” (derivada do verbo “lego”, “dizer”). “Rhema” vem do verbo “rheo” que também significa “dizer”, “falar” (também ocorre uma vez como “fluir” em Jo 7.38).

Pergunta que não calar: Se o Deus Eterno-Pessoal falou por meio de Cristo, o “Logos” divino, como é possível reduzir a revelação de Deus a duas palavras — e ainda sinônimas?

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45) “Quebra de maldição hereditária”
Esse neo-logismo é brabo! Então, vamos por partes: “maldição” vem de “maldizer” (“mal” + “dizer”), ou seja, “dizer o mal” ou “desejar o mal”. Como as palavras humanas são apenas “sons” que carregam “ideias”, elas não criam nada, nem causam nada: nem o bem, nem o mal. A não ser aquele “bem” ou “mal” imediato e emocional de ouvir algo bom e ouvir algo mal! É claro que é mais agradável ouvir um elogio do que um xingamento! Ainda mais se quem o diz é alguém que tem importância e influência sobre aquele que ouve.

E é aí que entra o “hereditário”. A palavra vem de “herdeiro” e “herança”, que vêm de “herdar”, derivada do latim “heres”, que se refere às posses de uma família. Desse sentido material passou ao sentido biológico como características genéticas que passam de pais para filhos.

Então, em que sentido as “palavras más” poderiam ser “hereditárias”? Não no sentido material, nem biológico, obviamente! Apenas no sentido emocional, porque os pais têm importância e influência vital sobre os filhos. Se uma pessoa qualquer xingar um menino na rua, tudo que vai causar é certa raiva. Mas se é o pai que xinga o filho, essa raiva pode virar mágoa e durar muito tempo. Quanto tempo? Exatamente o tempo em que o filho as guardar no coração! Felizmente, no momento em que perdoar o ofensor e jogar fora as “palavras más”, ele estará livre!

Portanto, não há “maldição hereditária”! O que há são ofensas e mágoas decorrentes de relacionamentos afetivos. Mas isso se resolve com perdão!

Pergunta que não quer calar: Está magoado com seu pai ou mãe? Com algum parente? Perdoe e vá ser feliz!
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46) “Eu te abençoo, irmão!”
A palavra “bênção” é a síncope (contração) de “ben(di)ção” (perdeu a sílaba -di-), que vem de “bendizer” (“bem” + “dizer”), ou seja, “dizer o bem” ou “desejar o bem” (o contrário de “mal-di-ção”, “dizer o mal”). A palavra “benzer” — um tanto mais pretenciosa — mas, também significa apenas “bendizer” sem a sílaba perdida (-di-). A palavra grega para “bênção” (“eulogia”, de eu+logeo, de onde tiramos “elogio”) significa a mesma coisa: “falar bem” de alguém.

Nesse sentido, o neo-logismo “eu te abençoo” significa tão somente “eu desejo o seu bem”. A prova cabal é aplicar a frase a Deus. Quando o salmista dizia “bendirei a Deus” ou “bendito seja Deus”, ele estava pretendendo “falar bem de Deus” ( = “louvar”, “elogiar”) ou “acrescentar bem a Deus”? Ora, o menor não poderia abençoar o maior! Até as mães sabem que “abençoar” é prerrogativa exclusiva de Deus. Quando os filhos pedem sua bênção, elas respondem: “Deus te abençoe, meu filho!”

Mas, na neo-linguagem dos religiosos pós-modernos, não se acredita mais no “bem” que só Deus pode gerar. Pelo contrário, trocou-se “Deus” por “EU”. Saiu o “Deus te abençoe” e entrou o “EU te abençoo”. Faz sentido! Às vezes, a “benção” de Deus demora! Então “ah, vem cá que EU mesmo te abençoo!”

Pergunta que não quer calar: Acha mesmo que pode criar o “bem” a partir de si?

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47) “Ficar na brecha!” ou “Orar na brecha!”
Essa não chega a ser uma neo-palavra, mas tem sido mais usada do que entendida. A palavra “brecha” vem do indo-europeu “bregh-” passa pelo alemão antigo “brekan” e pelo inglês “break” (quebrar) e significa: ruptura, fenda, rachadura, fratura, quebra. Também formou a nossa palavra “briga” (romper)!

Mas, para chegar ao sentido religioso, é necessário evocar a “figura” que lhe serve de fundo. No mundo antigo, as cidades eram cercadas por muralhas de proteção, por isso havia grande preocupação com a conservação dos muros. Quando apareciam brechas no muro, era necessário que alguém guardasse aquele ponto fraco até que fossem reparadas.

A expressão ocorre no livro do profeta Ezequiel, onde Deus lamenta: “Busquei dentre eles um homem que estivesse tapando o muro, e estivesse na brecha perante mim por esta terra, para que eu não a destruísse; porém a ninguém achei” (Ez 22.30). No original hebraico, “brecha” é “peres” e o inimigo que ameaça a cidade é o próprio Deus! Portanto, esse figura aponta para “Cristo”, o “Mediador” que se põe na “brecha”, ergue-se sobre o abismo entre Deus e os homens.

Daí surgiu a expressão de “estar na brecha”, com o sentido de colocar-se em oração diante de Deus em favor de alguém (intercessão, mediação), assim como um soldado colocava-se na brecha do muro em favor da cidade cuja muralha estava rompida. Uma figura bonita de proatividade, solidariedade, responsabilidade, proteção…

É… faz sentido! Não chega a ser um neo-logismo! É talvez uma expressão idiomática! Apenas uma bela expressão “crentÊs”! Sem mais perguntas…
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48) “Eu tenho Cristo, não tenho crise!”
É um slogan muito usado… Bem, primeiro “Cristo” não pode ser colocado como antítese de “crise”, como se um excluísse o outro! A única coisa que “Cristo” e “crise” têm em comum é a sílaba “cri”… rsrsrs. E o que isso quer dizer? Nada!

Bem, a palavra “Cristo” é tradução do hebraico “Messias” (do verbo “mashah”, “ungir”) e significa “Ungido”. Inicialmente era um título de Jesus, mas como não tinha muito sentido em grego acabou virando um “sobrenome”: Jesus Cristo.

Já a palavra “crise” vem do grego “krisis”, do verbo “krino” que significa “julgar”, “separar”, “decidir”, “discernir”. Essa palavra formou diversas outras em português, como “crise”, “crítica” e “critério”. Literalmente, “crise” era um termo de uso médico, usado para descrever o estado do paciente que, após ser medicado, atingia um ponto “crítico”, a partir do qual sarava ou piorava. Podia até piorar para depois melhorar!

Ora, a palavra “crise” não aparece no Novo Testamento em português, mas em grego aparece muitas vezes, sendo traduzida como “julgamento”, “juízo”, “justiça”, “condenação”. Por exemplo, a famosa expressão “dia do juízo” é “emera kriseos” em grego, literalmente o “dia da crise”, dia da separação.

Então, no sentido cristão original, Cristo não eliminou as crises, pelo contrário Ele pôs o mundo em crise: suas palavras e gestos “julgam” (krineo) o mundo. Depois dEle, o “paciente” está em estado crítico: ou melhora ou piora de vez! Ou se salva ou se perde de vez!

É… a frase “tenho Cristo, não tenho crise” é bonitinha, mas serve apenas como slogan mesmo! O problema é que não dá para viver de slogan…

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49) “Ame a si mesmo!”
Essa é uma neo-linguagem típica da religião moderna! Segundo Jesus, toda a lei de Deus se resume a apenas dois mandamentos: o primeiro é “amar a Deus de todo o coração” e o segundo é “amar o próximo como a si mesmo”. Ambos os mandamentos estão qualificados (“de todo o coração” e “como a si mesmo”). Durante muito tempo, essas palavras de Jesus foram acatadas corretamente.

Mas nos tempos modernos, surgiu uma neo-hermenêutica que pretende criar um mandamento intermediário entre o primeiro e o segundo. O raciocínio é o seguinte: Se Jesus mandou que eu ame o próximo como a mim mesmo, então, antes de amar o próximo, eu preciso amar a mim mesmo e, só depois de suprido do meu “amor-próprio”, eu estarei em condições de amar o próximo.

Falso! Não existe o mandamento de amar a si mesmo, justamente porque o “amor a si mesmo” é um dado! Aliás, o nosso problema não é falta de “amor próprio”, mas o excesso — o “ego”ísmo!

Por isso, os dois mandamentos de Cristo invertem a lógica do amor-próprio em direção à alteridade: “Ama o seu próximo como a ti mesmo, porque ele é tu”. Segundo a lógica de Cristo, o primeiro mandamento (amar a Deus) dá condições para o segundo (amar o próximo). Entre um e outro, a pessoa já está completamente suprida de amor!

Pergunta que não quer calar: Amar a si mesmo para depois amar o próximo? Esqueça! Nunca haverá “amor-próprio” suficiente para encher o abismo do coração…

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50) “Suas palavras têm poder!” ou “Há poder em suas palavras!”
Esse é um neo-logismo “radical”, porque deu origem a diversos outros neologismos. Quase toda a neo-teologia da “confissão positiva” depende desse neologismo, de modo que, se a tese for contestada, a confissão positiva cai.

Ora, segundo a fé cristã, a palavra de Deus tem poder de criar a partir do nada! Em Gênesis 1.3 diz: “E disse Deus: ‘Haja luz!’ E houve luz”. Simples assim e sem maiores explicações! O próprio Cristo é chamado de “Palavra encarnada” de Deus: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus e a Palavra era Deus. […] E a Palavra se fez carne” (João 1.1-3, 14). Portanto, a Palavra de Deus tem o poder de Deus.

Mas, a neo-linguagem religiosa se deixou seduzir por religiões místicas e pela indústria da autoajuda, segundo as quais o ser humano também tem o poder de “criar”, por meio da suas próprias palavras e da força de seu pensamento, aquilo que ele deseja: “Haja felicidade” e houve felicidade!… Oh, ‘vontadinha’ de ser Deus, hein!

Bem, de fato, o dom de “falar” é exclusivo do ser humano. Aliás, a fala é um dos principais distintivos entre os humanos e os animais. Embora os animais se comuniquem, não há nada como a capacidade humana de falar! Assim, o “falar” nos distancia do mundo animal e nos aproxima de Deus. Mas é só! O dom de “falar” não nos torna deuses, nem confere às palavras humanas o poder divino de criar! Palavras humanas são apenas “sons” que carregam “ideias”. E só!

Perguntas que não querem calar: Esse negócio de “palavras têm poder” não é arrogar para si o poder divino? Não é sintoma do desejo de “ser igual a Deus”? “Sereis como Deus” não nos lembra algo?

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51) “Avivamento!”
Esse é um neologismo puro porque foi criado especialmente pelos religiosos para indicar momentos de “despertamento” da fé. É um neologismo até antiguinho… Mas o fato é que “avivamento” não existe na Bíblia. Claro, o texto sagrado apresenta palavras sinônimas como “vivificar”, “reviver”, etc. com o mesmo sentido do neologismo. O dicionário também não ajuda muito. A palavra quer dizer apenas “avivar” que é “tornar vivo”, “re+viver”, “viver”.

Mais uma das aplicações mais simples da palavra “avivar” é quando se acende a lareira ou a churrasqueira. Para acender o fogo é preciso “avivar” as brasas. E como é que se faz isso? Por meio do vento (seja soprando, seja abanando) sobre o fogo.

Acho que esse é o sentido do neo-logismo religioso: no Pentecostes, o Espírito Santo foi simbolizado tanto pelo “fogo” como pelo “vento”. O fogo significa “vida viva”, e o vento é o que sustenta o fogo, ou seja, a vida.

Para “avivar” esse fogo “figurado” da fé cristã, há um vento também “figurado”, o sopro de Deus. Ora, nas línguas bíblicas originais, a palavra usada para “vento” é a mesma usada para “Espírito”: em hebraico, “ruah”; e em grego, “pneuma” (radical que existe em português em “apneia”, “pneu”, “pneumonia”, “pulmão”, etc. todas relacionadas a “ar”).

Portanto, assim como a vida física é sustentada pelo “vento no nariz” (a respiração), assim também a vida de fé é animada pelo “vento do Espírito”. Na Bíblia, o Espírito de Deus é o que dá vida e também é o que inspira (respira) a Palavra, o “Logos”, o Cristo.

Conclusão étimo(-e-)lógica: o Espírito de Deus aviva a fé por meio da Palavra de Cristo. Isso é avivamento! “Avivar” é “renovar a vida”, o “ânimo espiritual”, a fé em Deus. Ou é isso… ou então será apenas um neologismo mesmo!

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52) “Aleluia”
 “Aleluia” é uma palavra hebraica sem tradução. Por isso se diz “aleluia” em qualquer língua! Ao contrário do que se pensa, “aleluia” não é uma palavra de louvor a Deus, mas um convite ao louvor. Ela é composta de “hallelu” + “Yah”. “Hallelu” é um verbo e significa “louvai” e “yah” é a abreviatura do nome de Deus “Yahveh” (traduzido como Javé ou Jeová). Portanto, “aleluia” é, na verdade, uma frase, frase que era usada na liturgia do templo dos judeus quando os sacerdotes convidavam o povo à adoração de Javé. Eles diziam: “Louvem ao nosso Deus Javé”. Então o povo se prostrava e o louvava!

Assim, quando as pessoas dizem “Aleluia! Aleluia!” na verdade estão dizendo: “Louvem a Deus! Louvem a Deus!”

Tudo bem! O convite é uma das partes da liturgia. Mas a outra é o próprio louvor! Portanto, tem de chegar o momento em que se deve parar de “convidar ao louvor” e começar a “louvar” de fato! Senão será como a mãe que diz “vamos almoçar”, “vamos almoçar”, mas nunca serve o almoço!

Conclusão que não quer calar: Ou se louva a Deus com entendimento, ou então até a antiquíssima palavra “aleluia” será apenas um neologismo!

PS: E a frase não existe no plural “aleluiassss”.

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53) “Deus tem um plano para sua vida!”
Bem, para começo de conversa a Bíblia não usa a palavra “plano”, a não ser no sentido de “planície”. Ah, é verdade, ela fala de alguns “planos”, mas são planos de homens, como “plano” para construir o templo, “plano” para tirar a vida de Jesus, “plano” para emboscar o apóstolo Paulo, etc…

É, tem razão… embora a Bíblia não fale em “plano” de Deus, ela contém sinônimos como “propósito” ou “vontade” de Deus, mas em nenhum caso se trata do sentido neo-logístico de “projetos individuais”, senão de princípios gerais.

Mas a neo-linguagem religiosa criou um “Deus centrado no ser humano”, um Deus que realiza projetos pessoais e que tem “planos” escritos nas estrelas para cada pessoa. O que leva a um “fatalismo”, teologia do “destino”, que são teses absolutamente estranhas à fé cristã. Esse neologismo gera outras estranhezas como a tal da “vontade permissiva”, que é um neologismo de segundo grau! Ou… um jeitinho para acomodar uma tese não cristã dentro da nossa teologia!

É claro que a fé cristã fala de um Deus presente, imanente, um Deus que anda junto dos humildes, que trabalha para aqueles que nele esperam. Mas é um Deus que chama o ser humano para si, para aderir aos propósitos dEle — o que costumamos chamar de “caminho da salvação”!

Pergunta que não quer calar: se a Bíblia não fala em “plano de Deus para sua vida”, por que fazer desse neologismo um fundamento de fé? Por que não retomar o “anda na minha presença” e simplesmente viver a vida toda para Deus?
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54) Casamento blindado, corpo blindado… carro blindado…
“Blindar” vem do antigo indoeuropeu “bhel” (“brilhar”), de onde se formou, em francês, o substantivo “blende” (nome de um mineral muito brilhante) e o verbo “blinder” (“cegar”), em alemão o verbo “blenden” (“cegar”) e em inglês “blind” (“cego”, “cegar”). A ideia é de algo tão brilhante que “cega” os olhos, daí a acepção de “encobrir”, “tornar invisível aos olhos”, uma alusão às chapas metálicas que se usa para “blindar” carros, etc.

Bem, todo mundo sabe o que significa carro “blindado”! Mas ultimamente surgiu no território religioso um ultra-hyper-neologismo segundo o qual é possível “blindar” pessoas, relacionamentos, negócios, etc. Essa prática já é bem conhecida das religiões afro para a qual usam uma terminologia mais simples: “fechar o corpo”.

Mas, na fé cristã, sinto informar, essa prática é totalmente estranha. A Bíblia, evidentemente, não usa a expressão “blindar”. Ela fala em “cego”, sim, mas apenas no sentido físico ou espiritual. Mas em blindagem definitivamente não fala, nem em qualquer ritual de blindagem. Não se refere a essa prática nem por meio de palavras antigas que poderiam ser equivalentes.

A única proteção que a fé cristã oferece é a comunhão com Cristo. A fé cristã não é baseada em rituais ou magias… Pelo contrário, é baseada em um andar diário com Cristo, um permanecer em Cristo. E quer saber? É suficiente!

PS: aliás, se quiser blindar o carro, use chapas metálicas mesmo!
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55) “Vontade perfeita” e “vontade permissiva” de Deus.
Bem, “vontade” vem do latim “volunptatem”, de “volup”, do nome da deusa romana do prazer a “Volupta” ( = Hedoné, deusa grega), de onde tiramos o sentido de “volúpia”. A palavra evoluiu para “voluntad” (como aparece em “voluntário”), e daí para o verbo “volere” que se traduz em português por “querer”. Em inglês, “volo”, “wele” deu “will” (querer, vontade). Portanto, tudo isso apenas para demonstrar que “vontade” é o mesmo que “querer”.

A Bíblia fala muito sobre a “vontade de Deus”. Ele não apenas tem “vontade”, mas também tem “potência” para realizar tudo que deseja.

Mas o problema é que Deus deu ao homem o dom de ter “vontade” própria e como é difícil conciliar a “vontade” soberana de Deus com a “vontade” livre do ser humano, os religiosos modernos criaram estes dois neologismos: “vontade perfeita” e “vontade permissiva”.

“Vontade perfeita” seria o “plano A”, aquele plano “escrito nas estrelas”, ou seja, o destino eterno e pessoal de cada um. E a “vontade permissiva” seria um tipo de “plano B”, um plano de consolação para quem se perdeu do plano A. Tipo assim, Ele não gostou, mas deixa rolar… ou quebra o galho de quem perdeu o bonde do plano A. Ora, essa tal “vontade permissiva” é filha direta da teologia do “fatalismo”, do “plano de Deus para sua vida”…

Ora, a Bíblia não fala nada sobre “permissividade” de Deus. Aliás, as palavras “permissivo” e “permissividade” têm conotação negativa, de “falta de firmeza”, “fraqueza” e “indulgência”, o que seguramente não é o que a Bíblia diz sobre Deus.

Ela fala de um Deus soberano, que não perde o ponto nunca, aconteça o que acontecer. Tão soberano que nem a somatória de todas as decisões humanas simultâneas poderia surpreendê-lo ou afetá-lo. Um Deus que está sempre pronto a dar novo começo a qualquer tempo, que pode entrar no caminho as pessoas, mesmo quando tudo parece perdido.

Pergunta que não quer calar: Esse Deus que tem um tiro só na agulha não é meio humano demais? Que tal deixar Deus ser Deus e confiar na soberania que ele tem de realizar todas as coisas o tempo todo?
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56) “Batalha espiritual”
Que raio é isso? Ficção científica? A batalha de espíritos? Guerra nas estrelas? Batalha entre pessoas e espíritos?

Bem, vamos por partes: “batalha” vem do latim “batualia”, de “batuere” que é “bater”, ou seja, “dar golpes”, de onde também se chega à palavra sinônima “combate” (co+bater) ou “bater-se uns contra os outros”. O sentido é de luta, guerra, conflito entre duas partes.

“Espiritual” vem de “espírito”, do latim “spiritus”, do verbo “spirare” que aparece em “respirar” (“re”+”spirar”), significando, portanto, “ar”, “sopro”, “vento”. A palavra evoluiu para significar a substância imaterial, seja em referência a Deus, seja aos deuses, anjos, demônios.

Juntando os dois termos, dá o quê? Bem, a Bíblia contém muitos relatos de batalhas, mas todas elas com soldados de carne e osso, com armas reais e mortos reais. Mas fala (impressionantemente) pouco sobre guerra contra espíritos! Assim não há muito material canônico para servir de fonte para o neologismo “batalha espiritual”. Por isso é necessário andar com cuidado!

No principal texto sobre o tema, Paulo, escrevendo aos Efésios, diz que nossa luta não é contra pessoas de carne e osso, mas contra poderes que habitam acima e além das pessoas (o que ele chama de regiões celestiais).

Isso significa, antes de tudo, uma ruptura fundamental com a lógica da violência de todos os tipos. Jesus proibiu toda vingança e ensinou a perdoar e amar o inimigo! Paulo disse que o amor ao semelhante é o resumo mais radical de toda a lei de Deus, porque o amor ao semelhante pressupõe amor a Deus! Ora, se não há nenhuma possibilidade de violência contra pessoas, a que batalha Paulo se referiu? Contra quem? Com que armas?

Bem, a definição das “armas” indica a natureza tanto da “batalha” como do “adversário” a ser enfrentado. Assim, vejam as armas que Paulo recomendou aos cristãos. São as armas do próprio Deus. E — pasmem! — são as seguintes: verdade, justiça, paz, fé, salvação, amor e oração.

Eis aí as armas e, por dedução, os inimigos a serem combatidos! O que passar disso é “guerra santa” ou “alien-ação”!
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by Eliseu Pereira
Professor na Faculdade Batista do Paraná e na Faculdade Cristã de Curitiba
Estudou Teologia na instituição de ensino PUC PR
https://www.facebook.com/eliseugp



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10.26.2015

MAIS 17 NEOLOGISMOS DO MEIO GOSPEL

27) “O Espírito Santo é muito sensível!”
De onde surgiu essa ideia de que o Espírito Santo é um Deus sensível e melindroso, que deve ser tratado com muita delicadeza se não Ele se ofende? Que fala tão baixo que é preciso ter muita atenção para escutar?

Talvez da dificuldade de definir e entender o Espírito Santo? Talvez porque o apóstolo ensinou a não extinguir o Espírito (como se fosse uma chama) ou a não entristecer o Espírito? Quem sabe, ainda, o fato de que não há perdão para pecados cometidos contra o Espírito Santo?

Bem de acordo com nossa fé trinitária, o Espírito Santo é Deus e tudo que o Pai é, o Filho é e o Espírito Santo também é igualmente.

– Ora, Deus é Todo-Poderoso, Todo-Amoroso, Soberano, Justo e Infinito.
– O Espírito Santo é Deus.
– Logo, o Espírito Santo é Todo-Poderoso, Todo-Amoroso, Soberano, Justo e Infinito. Então, tudo que entristece o Espírito Santo, entristece a Deus e tudo que apaga o Espírito Santo, também apaga a presença de Cristo!

Na teologia do Novo Testamento, o Espírito é o poder de Deus que cria e renova tudo e todos.

Pergunta que não quer calar: um Deus Todo-Poderoso, tão poderoso que se permite apagar e resistir pelo coração humano é sensível?

28) “Aceitar Jesus”
Outro paleo-logismo… mas também inexistente nos Evangelhos e na tradição da igreja…. Portanto, é “neo”. Os apóstolos nunca usaram a expressão “aceitar Jesus”, mas falaram apenas em crer e seguir Jesus.

Mesmo assim, talvez a palavra “aceitar” seja “aceitável”… rsrsrsrs, desde que bem entendida, porque se trata de uma “pessoa” aceitando outra “pessoa” e não uma “coisa”. E aceitar “pessoa” envolve compromisso!

O paralelo mais próximo poderia ser aquele da cerimônia de casamento onde ocorre a aceitação mútua entre os cônjuges para firmar um compromisso:

— “Fulano, você ‘aceita’ a fulana como sua legítima esposa até que a morte os separe?” e “Fulana, você ‘aceita’ o fulano como seu legítimo esposo até que a morte os separe?” “Então eu os declaro marido e mulher”.

Aceitação é reconhecer o compromisso de fidelidade eterna. Se for assim, o ato de “aceitar a Jesus” como Senhor e Salvador poderia ser colocado assim:

— “Jesus, você ‘aceita’ o fulano(a) como seu legítimo discípulo e amigo até que a morte… ops… até eternamente?” A resposta de Jesus já foi dada previamente há dois mil anos, mas pacientemente, ele responde: “Sim, aceito do profundo do meu eterno coração!”

Então, “Fulano(a), você ‘aceita’ Jesus como seu legítimo Senhor e Salvador até que a morte os separe?” ops… nesse caso “até que ‘por toda eternidade’, nessa vida e na próxima?” Se a resposta for “sim, aceito de todo o meu coração”, então se dirá: “Eu lhe declaro discípulo e amigo de Cristo para sempre”.

Pergunta que não quer calar: Gostaria de aceitar Jesus como seu Amigo pessoal para sempre?

29) “O sangue de Jesus tem poder!” “Cobrir com o sangue de Jesus”
Essa expressão está mais para um paleo-logismo do que neo-logismo…. Então por que incluí-la entre os neologismos? Pela mesma razão das anteriores: ela não consta em nenhum lugar das Escrituras e muito menos poderia ser aplicada como é no neo-dialeto religioso: para exorcismo!

É claro que o “sangue” de Jesus tem “poder” (eficácia), mas para perdoar pecados! Embora seja surpreendente para as pessoas não cristãs, essa é uma afirmação central para a fé cristã. O sangue é símbolo da vida, nesse caso a vida inocente de Jesus que foi oferecida a Deus voluntariamente em substituição da humanidade. Significa dizer: Jesus entregou sua vida para que a humanidade pudesse viver plenamente, para que ninguém mais precisasse morrer.

Pergunta que não quer calar: Você acredita em sangue como amuleto mágico? Ou entende o significado da morte e ressurreição de Jesus?

30) “Você já tem uma célula?” “Sua igreja tem célula?”
Calma! Eu também participo de célula na igreja! Mesmo assim, por mais popular que seja nas igrejas modernas, a tal da “célula” não deixa de ser um neologismo, porque, afinal, a Bíblia não fala nada sobre “célula”.

O que é uma “célula”? Originalmente “célula” é diminutivo de “cela” (‘cela’+’ula’), cela de prisão ou de monastério. “Cela” vem do latim “celare” (esconder, ocultar). Talvez a ideia original tenha vindo do favo, onde cada favo seja uma “célula”. No sentido biológico, designa as menores partículas do tecido orgânico. A palavra “célula” também é usada para designar pequenos grupos, como, quando se diz na mídia “célula terrorista”.

E essa é a acepção de pequeno grupo que foi apropriada pela neo-linguagem religiosa: “célula” é um pequeno grupo de cristãos que se reúne para vivenciar sua fé. É um neo-logismo para uma prática “primitiva” dos primeiros cristãos. Aliás, o Novo Testamento só conhece a igreja das pequeninas comunidades (“célula”?) e não a dos templos. Na história recente da igreja, a “célula” já foi chamada de “grupo familiar”, “grupo caseiro”, “culto doméstico”, “ponto de pregação”, “culto de ação de graças”.

Mas há uma novidade: o que hoje se chama “célula” marca uma tendência mundial dos cristãos no sentido de priorizar a reunião mais íntima, com menos pessoas, porque favorece a partilha, a comunhão, a edificação e o cuidado mútuo.

Sim, a Bíblia não fala em “célula”, mas contém dezenas de mandamentos de mutualidade e reciprocidade, aqueles com a estrutura “uns aos outros” que são melhor vivenciados nas pequenas comunidades!

Ufa, finalmente, achei um bom neologismo!

31) “Orar em quarta dimensão!”
Na linguagem da ciência, a expressão “quarta dimensão” já é usada desde o século XIX, como uma dimensão temporal ou espacial, além das três dimensões físicas. De lá para cá, o conceito influenciou diversos campos de conhecimento como artes plásticas, literatura, cinema, etc, mas continua sendo mais especulação do que ciência.

O conceito é bem conhecido nas religiões orientais, no espiritismo, na astrologia, e outras práticas esotéricas e místicas.

Pois a neo-linguagem cristã incorporou a “quarta dimensão”, a partir do encontro de cristãos orientais com religiões nativas orientais. Quem melhor formulou esse sincretismo foi o famoso Pr. Paul Yong-Cho, da Coreia do Sul. Seus livros se tornaram a ponte pela qual a “quarta dimensão” entrou na neo-linguagem cristã… e, infelizmente, se tornou a “mãe” de muitos neologismos…

Segundo essa neo-teologia, a “quarta dimensão” é a dimensão do espírito. Como as pessoas são feitas de matéria e espírito, é necessário se conectar à dimensão do espírito a fim de controlar o plano físico. Tudo que é visualizado (incubado) no campo do espírito é criado no campo físico.

Gozado, o Evangelho não fala nada de pessoas invadindo a tal dimensão do espírito. Pelo contrário, fala do espiritual invadindo o mundo “tridimensional”. Também não fala nada sobre controlar o mundo físico, mas de controlar seu próprio espírito (coração) e as inclinações inatas para o mal.

Perguntas?… sem perguntas…

32) “Você tem um chamado?” “Ministério é para quem tem chamado!”
Bem, começando do começo: “chamado” é o particípio do verbo “chamar” que vem do latim e significa o mesmo que “clamar” (mudou o ‘h’ pelo ‘l’), no caso, “chamar pessoas pelo nome e para algum objetivo”. Se “chamado” está no “passivo”, então tem de haver um “ativo”: um Chamador. Sem chamador não há chamada, nem chamado! Todo mundo sabe o que é chamada: “Fulano?” Resposta: “Presente!”

No vocabulário do Novo Testamento, a palavra “chamar” é muito importante. Os Evangelhos narram diversos casos de Jesus chamando pessoas: “Segue-me”. A resposta adequada para “chamado” é “seguir” (como discípulo).

No grego, “chamar” é “kaleo”, que pode aparecer traduzido como “convidar” ou convocar (“vocação”). Esse radical (kaleo) está presente no nome do Espírito Santo (Para+kaleo, “Paráclito”) e na palavra grega para igreja (ek+kaleo, “ekklesia”). Temos, portanto, um “Chamador” — o Cristo; a reunião dos que atendem o “chamado” — a igreja; e aquele que preserva os “chamados”, que está ao lado deles — o Espírito Santo.

Conclusão necessária: Há uma universalidade de chamado (“todos são chamados”) e uma diversidade de chamados (chamados para o quê?). Ou é chamado ou não é de Cristo!

Perguntas que não se calam: Se todos os cristãos são chamados, por que (des-)classificar entre chamados e

33) “Perdoar a si mesmo!”
Esse neologismo também povoa as terapias de libertação espiritual!

Mas, vamos lá:
Perdão pressupõe ofensa.
Ofensa pressupõe direito.
Direito pressupõe lei.
E lei pressupõe autoridade.

Assim, para perdoar a mim mesmo eu teria de ser o autor da minha própria lei, uma lei que garantisse meus direitos. Nesse caso, ao eventualmente quebrar minha lei, ofendendo a mim mesmo, teria, então, a hipotética prerrogativa de me perdoar… O que é um absurdo, porque não é possível ocupar a posição de legislador e legislado, de ofensor e ofendido ao mesmo tempo.

Se regesse minha própria consciência (lei natural), não teria conflito. Se tivesse conflito, me perdoaria. Se me perdoasse efetivamente, teria paz na consciência todo dia.

O fato é que, antes de ofender a mim mesmo, de fato, eu obrigatoriamente ofendi a autoridade da lei maior que rege a vida humana, da qual, obviamente, não sou o autor.

Perguntas que não se calam: “perdoar a si mesmo” não é meio arrogante? Não seria melhor corrigir essa frase dizendo “aceitei o perdão do Outro”, ou seja, de Deus? Não é o perdão exatamente a neo-logos do Evangelho?
34) “Perdoar a Deus!”
Esse neo-logismo foi criado pelos “ministérios” de cura interior…

Literalmente “perdoar” significa ‘per’ (tudo) + ‘doar’ (dar), ou seja, “perder tudo”. O perdão pode ser definido como a decisão de “deixar de exigir reparação pelo mal que alguém lhe causou”!

Ora, Deus não é tentado pelo mal, portanto não pratica o mal. Logo, não pode ser o autor nem a causa do mal na vida de ninguém e, portanto, não pode nem precisa ser perdoado. Pelo contrário, os seres humanos, por causa das suas fragilidades e imperfeições, é que devem perdoar e pedir perdão uns aos outros.

Todavia, no jargão das terapias religiosas, como “cura interior”, “libertação”, “regressão” e coisas assim, o ser humano é tão endeusado a ponto de perdoar o próprio Deus!

Perguntas que não se calam:
Perdoar a Deus não implica em lhe atribuir falta/defeito?
Um Deus que padece de faltas ainda é um Deus?
Não seria melhor resolver nossas diferenças com o nosso próximo e deixar Deus ser Deus?

35) “Canal de bênçãos”, “canal não sei do quê”…
 “Canal” vem de “cano”, que vem de “cana”, talvez por causa da semelhança física entre a cana e o cano… rsrsrsrs… “Canal” e “cano” tem o mesmo sentido: duto pelo qual passa alguma coisa, como líquidos, gases, etc. Também é usado no sentido no sentido figurado para transmitir coisas como sinal de TV e rádio, etc. Bem, mas isso todo mundo entende.

E no ambiente religioso? “Canal” seria o meio pelo qual a divindade se manifesta ou flui? Bem, nesse sentido a palavra “canal” já é usada, há muito tempo, pelo espiritismo como “channeling”, ou seja, a pessoa que serve de canal (médio, ‘medium’) para manifestação dos espíritos.

Mas no cristianismo, a expressão “canal” não é adequada, porque não existe a ideia de um Deus (ou espírito ou energia ou fé) que flui por um canal humano. O que há é um Deus que “habita” no coração dos seus filhos.

Pergunta que não quer calar: Em vez de pensar num Deus que apenas “escorre” pelo canal da sua vida, que tal deixar Deus fazer morada em seu coração?

36) “Fulano foi usado como ‘instrumento’ de Deus na minha vida!”
Já falei sobre a inadequação do verbo “usar” quando se refere a “pessoas”. Mas a expressão pode aparecer com um “objeto direito” em casos figurados quando a “pessoa” é representada por um “instrumento”, como, p.ex., na frase acima… Bem, p’ra começo de conversa, na Bíblia, a palavra “instrumento” aparece apenas no sentido literal, como artefato musical ou como ferramenta (etc.). Sim, é verdade que a Bíblia usa figuras para falar de pessoas, como “vaso”, “vara”, “bacia”, “barro”, etc.

Mas para entender essas expressões, é necessário ter uma noção mínima de figura de linguagem. Na frase acima, “pessoa” está sendo comparada a “instrumento” para destacar alguns traços em comum, mas não todos, pois o uso de figura impõe limites…

Por exemplo, alguns traços comparativos destacam o fato de que Deus age indiretamente, “por meio” de uma pessoa, assim como alguém realiza um trabalho “por meio” de uma ferramenta. E também há traços que não servem de comparação como o fato de que o instrumento é passivo, e a pessoa não!

No sentido denotativo, é impossível “usar” uma pessoa, a não ser com dolo, subterfúgios e chantagem! Por isso, todo cuidado é pouco. Objetos são usados, pessoas não!

Pergunta que não quer calar: em vez de ficar esperando que Deus o use passivamente como um “objeto”, que tal entregar-se a Deus de todo coração, pró-ativa e intencionalmente, para cooperar com Ele na vida do próximo?

37) Sobre clérigos e leigos.
 “Clero” e “leigo” são conceitos religiosos já consolidados há séculos… quase paleo-logismos, mas ainda assim são “neologismos”, porque não existem nas palavras de Jesus e nem nas demais Escrituras.

Já vimos sobre o significado de “leigo”. E “clero”? Bem, “clero” vem de “kleros”, palavra grega que aparece umas dez vezes no Novo Testamento original, mas nenhuma delas traduzida como “clero”. A palavra é traduzida como “sorte”, “parte”, “herança”.

A propósito, a única vez no NT em que a palavra “kleros” aparece em contexto de eclesial, ela se refere ao povo e não aos líderes! Ali, Pedro diz que os bispos devem cuidar bem do “kleros”, ou seja, dos irmãos que foram lhes foram confiados (1 Pedro 5.3).

Apenas séculos depois, a palavra passou a ser usada para se referir aos homens ordenados para o serviço religioso. Aparentemente, isso se deu com base na Lei de Moisés que atribuiu o sacerdócio aos levitas como uma herança (Dt 18.2), portanto um “kleros”.

Segundo os primeiros cristãos, Jesus transformou aqueles que não eram povo em “povo de Deus” e em “sacerdócio real” e “nação santa”. Assim, unificou “sacerdote” e “povo”, “clero” e “leigo” e criou algo inteiramente novo, inédito: uma família de Deus.

Pergunta que não quer calar: ah, deu pra entender ou precisa desenhar? Kkkkkk

38) “Fulano é leigo” ou “os leigos da igreja”.
 “Leigo” vem de “laikos”, que vem de “laós”, palavra grega que significa simplesmente “povo”. A Bíblia contém dezenas de vezes a palavra “laós”, porém, nenhuma delas traduzida como “leigo”, mas sempre como “povo”. Em relação à igreja, a Bíblia usa a bela expressão “lao toû theoû”, que quer dizer “povo de Deus”, um verdadeiro milagre! Pois como um Deus e pessoas humanas podem ser um só povo??? Os apóstolos disseram: “Antes vocês não eram povo de Deus, mas agora, em Cristo, são o povo e família de Deus” (cf. 1Pedro 2.9).

Apenas muitos séculos depois de Cristo, a palavra “leigo” passou a significar o povo comum em relação ao povo não comum — o “clero”. Ou seja, só existe “leigo” porque existe “clero”.

Na verdade, os protestantes não falam muito em “clero”, mas como conservaram o neologismo “leigo”, pressupõem que haja um “clero”.

Pergunta que não quer calar: Se Jesus deu a vida para criar um só povo, por que criar divisões? Por que aceitar divisões, classificações, escalões?

39) Dos apóstolos e apóstolas...
De fato, a palavra “apóstolo” é antiga, mas seu uso atual é um verdadeiro “neo-logismo”. “Apóstolo” vem do verbo grego “apostello” que significa simplesmente ‘enviar’. Literalmente, portanto, “apóstolo” significa o que hoje chamamos de “missionário”, ou seja, “alguém enviado com uma missão”. Mais do que título, “apóstolo” é missão.

Mas na neo-linguagem religiosa, o título de “apóstolo” foi reinventado para indicar alguém que ocupa o topo da pirâmide do poder eclesial, talvez porque os títulos comuns não comportassem mais a sede de poder.

Gozado, os primeiros discípulos de Jesus foram chamados apóstolos para exercer uma função muito diferente. Paulo disse que eles foram colocados por último e por baixo de todos, como loucos, fracos, vis, sujeitos a fome e sede, agressões e risco de vida, como verdadeiro “lixo do mundo” (1Co 4.9-10).

Pergunta que não quer calar: Foi para isso que Lutero quebrou a hegemonia do papa católico? Para que seus herdeiros fizessem brotar ‘trocentos “mini-papas”? Para recriarem seus próprios ‘vaticanos’? Ou para recolocar os cristãos no trabalho missionário (apostello) de Cristo?

40) “Orai por Jerusalém” ou “Orai pela paz de Jerusalém!”
A frase é velha, mas o uso é “neo”. Ela consta no Salmo 122, um dos salmos de peregrinação dos judeus a Jerusalém, também usado na liturgia do templo. Essa preocupação com a cidade santa aparece também nos profetas. Jerusalém era o centro da religião e o lugar da habitação de Deus. Para o judeu, ir a Jerusalém era o grande momento da vida. Se Jerusalém estava em paz, tudo estava bem.

Mas, atualmente, a frase passou a integrar a neo-linguagem religiosa como se todos os cristãos devessem orar pela paz da cidade de Jerusalém, aquela dividida entre israelenses e palestinos, do moderno Estado de Israel!

Ora, os apóstolos ensinaram que devemos orar pelas autoridades de onde vivemos para que tenhamos vida boa e tranquila. A velha frase precisa ser atualizada. Assim o antigo “orai pela paz de Jerusalém” deve ser substituído por “orai pela paz de Curitiba” ou “orai por Brasília” e por aí vai…

Pergunta que não quer calar: Posso continuar orando pela paz da minha cidade e do meu bairro ou tenho mesmo de orar por um lugar que não tem nada a ver com minha vida nem com minha fé?

41) “Fulano é levita na casa de Deus!”
Ora, “levita” não tem nada a ver com “levitar” ou “ser leve”, como pode parecer… Trata-se de um adjetivo pátrio, referente aos descendentes de Levi, um dos filhos do patriarca Jacó, neto de Abraão. Quando os judeus conquistaram a Palestina, os levitas não receberam terras como as outras tribos, mas foram designados para todos os serviços religiosos. Depois da construção do templo, os levitas passaram a ser porteiros, guardas, padeiros, cantores, músicos ou ajudantes gerais dos sacerdotes. Com a destruição do templo dos judeus, acabou-se o serviço dos levitas.

Mas o neologismo religioso ressuscitou a figura do “levita” para designar as pessoas que atuam no serviço da música na igreja.

Gozado, segundo o Novo Testamento, todo seguidor de Cristo é um sacerdote… o que os protestantes chamam de “sacerdócio universal” dos cristãos.

Pergunta que não quer calar:
Se Cristo instituiu todo discípulo como “sacerdote”, por que “rebaixar” alguns a “levita”? Não dá para ser apenas “músico” e parar de inventar moda?

42) A figura pastor-ovelha
 “Pastor é pastor! Ovelha é ovelha!”

Ora, os termos “pastor” e “ovelha” nada mais são que uma “figura” emprestada da ovinocultura tão comum no sul da Palestina nos dias de Jesus.

E quando se usa uma figura de linguagem, nem todos os aspectos são relevantes ou aplicáveis. No caso presente, estão certamente em destaque “cuidado”, “orientação” e “alimentação”, mas não estão em destaque, por exemplo, o comércio de lã e dos próprios animais, a engorda e o abate de ovelhas, muito menos o uso delas para sacrifícios.

Mas, na neo-linguagem religiosa, “pastor” passou a representar um título hierarquicamente superior aos demais fieis, como se ele tivesse a mesma superioridade que o pastor-literal tem sobre as ovelhas-literais, e como se ele pudesse dispor das pessoas da comunidade como o pastor-literal pode dispor das suas ovelhas-literais.

Pergunta que não calar:
Você sabe interpretar uma figura de linguagem? Ou — cá p’ra nós — é tão tolo e indefeso como uma ovelha literal?

43) “Cuidado com as retaliações (ou retalhações?) do diabo!”
Antes, porém, é necessário fazer uma ressalva: não confunda “retaliar” com “retalhar”. Retalhar é “re”+”talhar”, de “talho”, que significa “dividir em partes usando um instrumento de cortar”, como em “retalhos”, p.ex. Já a palavra “retaliar” vem de “re”+”taliar”, de “talião”, em referência à “lei do talião” (de “talis”, tal), ou seja, aplicar castigo “tal e qual” o crime: “Olho por olho e dente por dente”.

Na neo-linguagem religiosa, é o sentido de “retaliar” que foi ressignificado para dizer que os espíritos maus retaliam (revidam) qualquer cristão que decide obedecer a Cristo. Por causa disso, há pessoas que não querem mais se envolver no serviço cristão por medo de represálias ( = “retaliações”).

A Bíblia não fala nada sobre temer “retaliação” ou “represália”. Pelo contrário, o Evangelho, Cristo disse: “Assim como o Pai me enviou, eu também os envio. Eu os envio como ovelhas no meio de lobos. Estarei sempre com vocês. Vocês terão autoridade sobre todo poder do mal e ninguém lhes causará dano” e outras palavras assim… Além disso, todo aquele que seguir a Cristo correrá permanente perigo de ter o mesmo destino do seu mestre. “Quem não é por mim, é contra mim”, disse Jesus.

Ordem de Cristo que não quer calar: “Eu tenho toda autoridade nos céus e na terra. Eu estou com vocês todos os dias até o fim! Portanto, vão!”



by Eliseu Pereira
Professor na Faculdade Batista do Paraná e na Faculdade Cristã de Curitiba
Estudou Teologia na instituição de ensino PUC PR
https://www.facebook.com/eliseugp


http://tele-fe.com/portal/category/serie-neologismos-religiosos

10.08.2015

+ 13 NEOLOGISMOS RELIGIOSOS!

Por Eliseu Pereira

14) “Tá amarrado!”
Ora, em termos simples, ‘amarrar’ (do árabe, “marr” é “corda”) significa “prender com cordas” ou com correntes. Mas, no dialeto religioso, significa “amarrar espíritos” (provavelmente com cordas espirituais!), querendo dizer “anular uma ação maligna, manietando seu autor”.
A respeito do maligno, porém, a Bíblia ensina apenas duas coisas: expulsar e resistir.
Pergunta que não quer calar:
Se todos os espíritos amarrados até hoje estivessem, de fato, amarrados, isso aqui não seria o céu?

15) “Coincidência não! Jesuscidência!”
“Coincidência” é a junção de “co” + “incidência”, ou seja, aquilo que “incide ao mesmo tempo”, ou “quando duas ou mais coisas ocorrem ao mesmo tempo”.
E “jesuscidência”? Bem, esse é um neologismo em estado puro! É uma palavra criada especificamente para insinuar que coincidências não existem, mas são sempre sobrenaturais e causadas por Jesus! A conclusão grave é que toda coincidência passa a ser interpretada como uma ação sobrenatural de Jesus, o que é uma leitura extremamente simplista e perigosa.
Se duas coisas “caem juntas” (significado literal de ‘incidência’), ou se duas ou mais coisas se combinam, ou se uma situação parece fácil… nada disso significa, por si só, um “sinal divino”. Aliás, caminhos fáceis podem ser de Satã, e caminhos difíceis podem ser de Deus. Ou vice versa…
Portanto, sinto decepcionar, mas coincidências existem… e podem ser naturais, casuais e meramente acidentais. Também podem ser divinamente arranjadas ou malignamente armadas.
De modo que ouvir a Deus vai exigir sair da menoridade rumo à maturidade.

16) “Pela fé”
No neologismo religioso, a expressão “pela fé” pode significar as mais diferentes coisas como “fiz porque queria muito”, ou “decidi sem planejamento”, ou “comprei e tomara que dê certo” ou “viajei, agora seja o que Deus quiser”… e por aí vai…
Ora, a fé bíblica não é um fim em si mesmo. A fé é um substantivo que requer complemento nominal! Ou seja, não existe fé na fé, mas sempre “fé em” alguém! Fé em você mesmo, ou fé na sua própria vontade, definitivamente não é fé, pelo menos não é fé cristã.
Segundo a Bíblia, a fé cristã é uma postura de “adesão” (gr. pistis) integral a Deus, mediante a Palavra de Cristo (Rm 10.17). Por isso, a expressão “pela fé” só tem sentido cristão se for completada: “pela fé na palavra de Cristo” ou “sob a palavra de Cristo”.
Portanto, a pergunta é: Fez (decidiu, comprou, viajou, foi…) pela fé em quê, irmão?

17) Orações específicas
“Você orou e não foi atendido? É porque não fez a oração específica!”
Por essa lógica neo-religiosa, se você está pedindo qualquer coisa a Deus, seja bem específico, porque senão Ele fará apenas o que você pedir! É um Deus mecânico que não entende bem “orações” imperfeitas dos pobres seres humanos.
Ora, Jesus disse que o Pai sabe o que precisamos antes mesmo de lhe pedirmos (Mt 6.8). Ele também disse que se até nós sabemos dar coisas boas aos nossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará coisas boas aos que oram a Ele (Mateus 7.9-11). O profeta Isaías disse que Deus responderia antes que orássemos, e estando “eles ainda falando, eu os ouvirei” (Isaías 65.24). O salmista disse que Deus conhece os nossos pensamentos antes que eles se formem na mente (Salmos 139.4). Paulo disse que ninguém de nós sabe orar direito, mas o próprio Espírito de Deus nos ajuda a orar (Romanos 8.26-27).
Por isso a necessidade de fazer “oração específica” é um neologismo!
Portanto, a pergunta é: você está orando a um Deus mecânico, do tipo “máquina de refrigerante”, ou está orando a um Deus tipo “Pai”?

18) “A oração move a mão de Deus!”
Não, não move não…
“Oração” vem de “oris”, que significa ‘boca’, como se percebe claramente, por exemplo, na expressão “via oral”. Portanto, orar nada mais é do que “falar com a boca”. No sentido religioso, é claro, significa “falar com Deus”.
Ora, para todos os que creem em oração, Deus é um Ser Pessoal-Supremo, Todo-Poderoso, Todo-Amoroso, Todo-Bondoso, Todo-Justo, e vários outros destes “Todo-“…
Gozado, a Bíblia não fala sobre “oração controle-remoto”. Pelo contrário, diz que Deus sabe o que seus filhos precisam antes mesmo de pedirem… Para que orar então? Na verdade, a oração é um ato de amor, confiança e submissão a Deus.
Pergunta que não quer calar:
Acredita mesmo que suas pobres palavras humanas movem a mão do Todo-Poderoso? Acaso as orações têm o poder de dominar o Todo-Poderoso?

19) “Programa de coaching ministerial”.
Coatching, coaxing, não colting… Que raio é isso? Calma, não é de comer… “Coaching” vem do verbo inglês “coach” que significa “treinar”.
Mas antes de chegar a significar isso, a palavra original ‘coach’ significava simplesmente ‘coche’ (um tipo de carruagem confortável de quatro rodas com suspensão), que passou a ser fabricada no século XV. A palavra “coche” vem do inglês “coach”, que vem do alemão ‘kotsche’, que vem do húngaro ‘kocsi’, porque as carruagens eram fabricadas na aldeia de Kocs, Hungria. Em meados do século XIX, com o desenvolvimento das ferrovias, a palavra também passou a ser usada para se referir aos trens.
E foi justamente nessa época que a palavra assumiu o significado de “treinar”, “treino” e “treinador”, baseado na ideia de que, assim como o cocheiro conduz um coche, o ‘coach’ conduz (treina) uma pessoa. A palavra foi usada primeiramente para preparação de alunos e depois de atletas. Por isso, o técnico de um time é chamado ‘coach’ (treinador) em inglês.
Nos últimos anos, o termo ‘coaching’ passou a ser adotado para desenvolvimento de carreiras profissionais e treinamento de pessoas para tarefas e projetos específicos. De quebra, também invadiu a esfera do religioso, como um neologismo, um sinônimo de “discipulado”. A mudança pode parecer ingênua, mas como o “coaching” foi idealizado para empresas e profissões, ele nunca virá para a igreja sozinho. O “coaching” continua sendo focado em treinamento para resultados numéricos, financeiros, gerenciais. Sai o co-irmão, entra o especialista! Sai o companheiro de fé, entra o “personal coach espiritual”! Sai o bate papo de amigos, entra a técnica, os manuais, os esquemas, etc…
Pergunta que não calar: dá para deixar o treinamento no estádio, o ‘coaching’ na empresa e continuar fazendo apenas discípulos de Cristo na igreja?

20) Determinar
“Eu determino a vitória (etc.etc.etc.)!”
Ora, ‘determinar’ é “p’ra acabar”, ops… quer dizer, “p’ra terminar” (‘de’+’terminar’), “pôr termo”; é o mesmo que ‘dar a última palavra’ ou ‘mandar que aconteça’.
Gozado, na Bíblia não há casos de pessoas que dão palavra final sobre as coisas. Ao contrário, até Jesus Cristo orou com súplicas a Deus, dizendo “Não se faça a minha, mas a Tua vontade, Pai”.
Pergunta que não quer calar:
O ser humano dá a última palavra sobre alguma coisa nessa vida?
Acredita mesmo que “há poder em suas palavras”?

21) Orações dirigidas a Deus: “Restitua o que é meu!”
Ora, “restituir” significa “devolver o que foi tomado”. Deus não toma nada de ninguém, portanto não tem obrigação de restituir nada para ninguém. Pelo contrário, Ele é o verdadeiro dono de todas as coisas e liberalmente concede tudo para todos.
Ah, sim, é verdade… a Bíblia fala que “Deus restitui”: “Restituir-vos-ei…etc. etc…” Nesse caso, Ele promete devolver o que “outros” nos tomaram ou o que “nós” perdemos… Mas isso nada mais é do que outra de suas “concessões” graciosas. E, justamente por ser concessão e graça, é de iniciativa exclusiva d’Ele (sem obrigação de fazer) e jamais uma exigência de nossa parte…
Bem que Paulo avisou que não sabemos orar certo… rsrsrsrs
A pergunta é: que tal aprender a orar com os santos?

22) Gospel: Música “gospel”, movimento “gospel”, moda “gospel”.
Essa é um hiper-neo-logismo: “gospel” não vem de ‘guspe’ (cuspe) como se poderia imaginar. Pelo contrário, vem do inglês “good spell”, isto é, “boas novas” (numa tradução direta), ou seja, o mesmo significado da palavra grega ‘evangelho’ (‘eu’+’angelos’). Evangelho não é apenas “boa notícia”, mas uma notícia estupenda capaz de mudar o mundo. Esse era o sentido da palavra no mundo greco-romano quando Jesus nasceu.
Nos EUA foi usado para definir o estilo negro ‘spiritual’, mas no dialeto neo-religioso, significa tudo e nada ao mesmo tempo. Pode ser usado para definir estilo musical, eventos, produtos, mercado, e não sei mais o quê. Talvez uma maneira vassala de esconder o termo “evangélico” por trás do modismo de importar palavras.
Pergunta que não se deixa calar: Em um mundo com tantas más notícias, há ainda uma “boa notícia” para anunciar?

23) “Irmãos, a partir de hoje essa é a visão de Deus para a nossa igreja!”
A palavra “visão” vem de “vista”, “visto”, particípio passado do verbo “ver”. Ora, “ver”, em todos os idiomas pesquisados, significa “olhar com os olhos”, “enxergar”.
No âmbito religioso, “ver” tem uma conotação mística, no sentido de “ver” o invisível aos olhos, “ver” o sobrenatural. Mas isso os religiosos entendem. Em algumas religiões, apenas os “especiais” têm a “visão” e os iniciados devem se submeter a eles a fim de também receberem a “visão”!
No âmbito corporativo, porém, “visão” significa a formulação do que uma determinada empresa pretende alcançar no futuro próximo e como ela deseja ser vista na sociedade.
Pois eu acho que a “visão” que os líderes de igrejas tanto falam hoje é mais corporativa do que mística! É um tal de visão G12, G8, MDA, 5 por 1, 3 por 4, e visão “não sei o quê”… É, não ria não… porque é bem possível que sua igreja também esteja seguindo uma “visão” dessas aí com sopa de letrinhas e números! Se você não sabe, provavelmente é porque tá fora e nem percebeu… Porque “visão” corporativa é assim: ou tá dentro, ou tá fora!
Por isso, “visão” é um neologismo religioso — um fetiche, uma moda que subverte todas as tradições em prol de uma teoria da administração científica e empresarial aplicada à igreja de Jesus.
Perguntas que não se calam: podemos continuar seguindo apenas a “regra de fé e prática” ou teremos de começar a ler os manuais? Podemos seguir apenas a tradição dos nossos pais ou teremos de nos sentar aos pés dos gurus?

24) “Consultoria ministerial”
“Consultoria” vem de “consultor” que vem de “consulta” que sugere a ideia de “pedir conselhos” ou “pedir opinião”, normalmente um conselho ou opinião ou parecer técnico de um especialista. Por isso se diz “consultar o médico”, “consulte sempre um advogado”, etc.
Com a complexidade do mundo moderno, surgiram novos tipos de consultores, pessoas que oferecem (vendem) conselhos técnicos para empresas, carreiras e profissionais.
Agora, porém, surgiu um novo tipo de profissional: o “consultor de igrejas”, a pessoa especialista em… IGREJA! Tudo sobre crescimento de igreja, planejamento e estratégias, marketing, pesquisas de opinião, sondagem de “mercado”… ops!
Pobres cristãos da igreja primitiva que dependiam do Espírito Santo…
Sem perguntas…

25) “Programa de mentoreamento ministerial”, “seja um mentoreador”, etc.
“Mentorear” vem de “méntor”. “Méntor” não vem de “mente”, como pode parecer, mas ambas vêm de uma origem sânscrita comum: “man”. Na verdade, “mentor” vem da mitologia grega, da Odisseia de Homero! Era o nome do cara designado por Ulisses para cuidar de seu filho Telêmaco, enquanto ele estivesse na guerra. A palavra grega “mentor” é sinônima da latina “monitor”, do verbo “moneo”, que significa, literalmente, “indicar, mostrar”. Aliás, depois de Odisseia, Mentor tem sido nome de diversos personagens famosos do cinema e da TV. A palavra também costuma ser usada para se referir ao cérebro por trás de um plano, o “mentor intelectual” de uma quadrilha, por exemplo.
No sentido religioso, o “mentoring” já é usado há muito tempo, no espiritismo, para se referir ao ‘espírito guia’, que tem a função de orientar e proteger uma pessoa.
Mas agora, o “mentoring” se tornou a última moda nas igrejas, como substituto (ou sinônimo…) do “discipulado”. A partir desse neologismo, muitos estão relendo as Escrituras e interpretando o relacionamento de Jesus com seus discípulos (e outros casos de companheirismo) à luz do “mentoring”.
Ora, pergunta que não quer calar: Se, na época de Jesus, o Mentor já era conhecido há séculos, por que os primeiros cristãos não adotaram esse modelo? E, se, naquela época, o discipulado também já era praticado há séculos (pelos filósofos), por que Jesus o reinventou completamente e o recomendou aos seus seguidores?

26) “Ativar o dom” de profecia (ou outro qualquer) ou “ativar a fé”
Esse é um hiper-neo-logismo! A palavra “ativar” vem de “ativo”, que vem de “ato”, que vem de “agir”, que vem do latim “agere”, que vem do grego “ago” que significa “mover”, “fazer”, ou simplesmente “agir”. Bem, toda essa volta é apenas para dizer que “ativar” é o mesmo que “agir”, porém, esses verbos são usados de forma distinta. O verbo agir todo mundo entende, mas o verbo “ativar” tem sido usado para dizer algo como “colocar em ação algo que está pronto para ser usado”, como p.ex., ativar um software, um aplicativo ou uma função, ativar um cartão magnético, um dispositivo.
Mas no neologismo religioso, o verbo “ativar” tem sido usado no sentido de “colocar em ação um dom ou habilidade espiritual”. É como se os dons estivessem dormentes (latentes) e precisassem ser ativados por uma espécie de ritual! Para tanto, tem surgido profissionais especializados e cursos em ativar os dons das pessoas! Segundo esses ‘ativadores de dom’ profissionais, as pessoas recebem dons espirituais como um cliente recebe um cartão de crédito, o qual, antes de poder usar, deve ser desbloqueado — ou ativado!
Pergunta que não quer calar: vamos ter de criar mais um “clero” especializado (um atravessador) em ativar dons? Os dons que eram completos, agora são concedidos em duas fases?

by Eliseu Pereira
Professor na Faculdade Batista do Paraná e na Faculdade Cristã de Curitiba
Estudou Teologia na instituição de ensino PUC PR





9.22.2015

13 NEOLOGISMOS RELIGIOSOS!

Por Eliseu Pereira

01) “Fulano é ‘MEU’ discípulo!”
A frase costuma ser usada por discípulos cristãos quando ensinam outros discípulos mais novos a “guardarem as palavras que Jesus ensinou”. Mas, (in)felizmente, na igreja de Jesus, o lugar de Mestre já está ocupado — e muito bem ocupado: é o próprio Cristo.
Ah, sim, é verdade: ele nos mandou fazer discípulos, mas fazer discípulos de Cristo não constitui a ninguém como “discipulador” e muito menos “mestre”.
As perguntas que não se calam:
— “Uai! O que eu sou então?”
— “Um discípulo!”
— “Ué! E a pessoa que estou discipulando, então, é o quê?”
— “Discípulo!”
— “Peraí… E a pessoa que está me discipulando?”
— “Acertou! Também é apenas um discípulo!”
É, eu sei… o discipulado de Jesus é diferente dos outros. Em outras religiões, os discípulos se tornam gurus e fundam suas próprias escolas. Mas com Jesus os discípulos permanecem sempre discípulos e jamais se tornam mestres…
Pelo contrário, permanecem todos eternos discípulos do Único Mestre.

02) “O Brasil (etc.) é do Senhor Jesus”.
Ora, não é não! É um silogismo simples:
Se o “mundo jaz (“fez sua cama”) no maligno” e o Brasil é parte do mundo, então segue-se que o Brasil jaz no maligno.
O reino de Deus não é feito de territórios, mas de pessoas! Não de coisas, mas de virtudes!
Pergunta que não quer calar: Onde foi que Jesus mandou alcançar territórios? Ele não mandou apenas amar pessoas?

03) Tocar no ungido!
“Não toquem no Ungido de Deus”.
Ora, a palavra ‘ungido’ é o particípio de “ungir”, que vem de “ungere” (latim), cujo particípio é “unctus”, de onde nós tiramos o verbo “untar”. Portanto, “ungir” é o mesmo que “untar”. Dizer “ungir com óleo” ou “ungir com unguento” é um pleonasmo como “subir para cima” ou “descer para baixo”… rsrsrsrs
No mundo hebreu, havia uma cerimônia de derramar óleo sobre a cabeça da pessoa designada por Deus para uma missão especial, como profeta, sacerdote, rei, etc. O óleo era um símbolo da presença do Espírito de Deus naquela pessoa.
Nesse sentido, a pessoa eleita por Deus era protegida.
Porém, desde o Pentecostes, o Espírito de Deus foi derramado sobre todos indistintamente, sem restrição de raça, classe, gênero ou sacerdócio. Portanto, a frase se tornou obsoleta, a menos que signifique “proteção de todos”.
Pergunta que não quer calar:
Todos são ungidos, mas uns são mais ungidos do que os outros?

04) “Realizar os sonhos de Deus… “
Ora, “sonho” é um fenômeno que ocorre na mente enquanto a pessoa está dormindo. Deus não dorme, portanto não sonha! rsrsrsrs… Aliás, Ele está bem acordado! O salmista disse que ele nem cochila!
Ah, sim, claro: “sonho” também significa “forte desejo”, geralmente um desejo que ainda não se pode realizar… e justamente por isso é “sonho”. Este também não é o caso de Deus, porque para Ele não há impossíveis! Tóin!
Pergunta que não quer calar:
Este Deus que sonha não está ficando humano demais?
Dá para crer apenas na “VONTADE” de Deus para sua vida?

05) “O melhor de Deus está por vir!”
Ora, o melhor de Deus é Deus mesmo!
E ele já veio a nós por meio de Cristo!
Pergunta que não quer calar:
Deus é suficiente… ou esperamos algo mais?

06) “Tomar posse”
Ora, “tomar posse” significa “exercer poder sobre algo” ou “ter sob poder”. Esta expressão não existe na Bíblia, a não ser no sentido literal, em relação à conquista da terra de Canaã pelos judeus.
No neo-jargão religioso, parece que ‘tomar posse’ significa ‘conquistar com uso de força’ ou ‘tomar à força’. O fato é que, ao “tomar posse”, a pessoa passa a se considerar detentora de um compromisso (“promessa”), cujo cumprimento tem o direito de exigir como legítimo possuidor.
Perguntas que não querem calar:
Se Deus FEZ uma promessa, é necessário tomá-la à força? Não basta crer?
Se Deus NÃO FEZ a promessa, é possível tomá-la à força? É necessário tomar posse do que já é seu? É possível exigir e tomar posse do que não lhe pertence?

07) Autoridade espiritual!
“Eu tenho autoridade espiritual sobre a sua vida!”
Ora, se a autoridade é “espiritual” não pode ser “sobre”.
E se é “sobre” não é espiritual. Simples assim!
Pergunta que não quer calar: Na igreja de Jesus, o maior não é o menor? O primeiro não é o último? A autoridade espiritual não vem do serviço sacrificial a favor do próximo?

08) Lei da semeadura.
“Semear uma oferta em dinheiro para colher bênção”… etc.
Ora, taí um baita abuso de uma figura de linguagem. O sentido literal da semente todo mundo sabe: planta laranja, nasce laranja. No sentido figurado, “sementes” são atitudes. A sabedoria popular também conhece essa “lei da semeadura”: “Quem planta vento, colhe tempestade!” O apóstolo Paulo também disse: “tudo que o homem semear, isso também colherá.”
Mas na linguagem neo-religiosa, surgiu uma interpretação particular, aplicada especificamente na área financeira para incentivar pessoas a doarem dinheiro, a fim de colher ‘n’ vezes mais… depende dos juros… ops… cof, cof,… da fé… rsrsrs. Ou seja, um tipo de investimento mágico, com retorno garantido…
Ora, a própria Bíblia mostra que a figura “plantar-colher” é um princípio geral, mas não uma lei: se não fosse assim, os primeiros apóstolos teriam sido todos ricos, mas foram todos pobres, bem como a maioria dos santos do mundo. O princípio geral do Evangelho a respeito de dinheiro pode ser resumido em boa administração e generosidade. Tudo isso por amor a Deus e ao próximo. E tem mais: a fundo perdido, porque é motivado pela graça e pelo amor.
Pergunta que não quer calar:
Ah, deixa pra lá… já deu para entender, né!

09)  “Investir no reino de Deus” (“na igreja”, “no ministério”, “em pessoas”).
“Investir no reino de Deus” (“na igreja”, “no ministério”, “em pessoas”, etc).
“Investir” é uma palavrinha capciosa.
Etimologicamente é composta de “in”+“vestir”, “pôr roupas”, significando “pôr as roupas próprias de um cargo”, como um manto, pálio, toga, capa. Por isso se diz “investir alguém no cargo” no sentido de “dar posse” ou ‘investir de responsabilidade”.
Outro sentido de “investir” é “circundar”, assim como a roupa circunda o corpo. Daí vem o sentido de “investir contra” uma cidade ou “acometer alguém”. Bem, há ainda o sentido tardio de “investir dinheiro para auferir lucro”, que é datado desde as origens do capitalismo (não me pergunte porquê… rsrsrs).
Bom, desconfio que o uso religioso de “investir” é justamente a acepção financeira, ou seja, “aplicar capital para auferir lucro” ou, numa versão mais ‘light’, dedicar tempo, talentos, etc. para obter resultados. O que importa é ter o lucro ou a vantagem em mente (mesmo que seja “espirituau-au”… rsrsrs)
Ora, a tradição cristã desconhece por completo a ideia financeira de “investir”. Pelo contrário, tudo que se fala é “dar”, “doar”, “ofertar”, “perder”, “gastar”, tudo liberalmente e a fundo perdido, sem esperar nada em troca — ou seja, o exato oposto de “investir”.
Pergunta que não quer calar: Quer fazer negócios com Deus? Tem certeza de quer acertar contas com Ele? Ou prefere “de graça recebestes, de graça dai”?

10) Cobertura espiritual...
“Não posso sair/fazer (etc.)” porque estou sob a cobertura espiritual de fulano”.
OU “Tenho de fazer… porque estou sob a cobertura espiritual de fulano”.
Ora, “cobertura” é o quê? Cobertor, telhado, escudo, esconderijo?
Cobertura serve para quê? Para proteger? Proteger do quê? De quem?
Gozado, a Bíblia não diz nada sobre essa função, ministério ou dom — o de ser “telhado” para alguém. O que Jesus disse é isso: “A ninguém na terra chamem ‘pai’, porque vocês só têm um Pai, aquele que está nos céus. Tampouco vocês devem ser chamados ‘chefes’, porquanto vocês têm um só Chefe, o Cristo” (Mt 23:9-11).
Por isso, a pergunta que não quer calar: É liberdade demais ou dá para encarar? Dá para sair de debaixo de alguém e assumir seu papel no mundo ou tá difícil?

11) “Deus vai ‘usar’ você” ou “Deus tem me ‘usado’”…
“Deus vai ‘usar’ você” ou “Deus tem me ‘usado’”… etc.
Isso é um neologismo? É, ‘podes’ crer…
Eu comecei a estranhar essa conjugação, afinal pega muito mal dizer que uma pessoa “usa” a outra ou que pessoas têm alguma “utilidade” ou mantém relacionamentos “utilitários” (ugh!). Portanto, como Deus poderia “usar” alguém? Mesmo que fosse pelo melhor dos motivos, a construção “usar pessoas” dói nos ouvidos e na alma…
Pensando nisso, fui pesquisar nas Escrituras para ver se havia algum caso em que se diz que Deus “usou” pessoas e, caso houvesse feito isso, qual o sentido? Para minha surpresa (e alívio… ufa… rsrsrsr), descobri que tal fala não existe! Desde o início da história, Deus chamou pessoas para andarem com Ele, para se unirem aos seus planos…. mas jamais se diz que Deus usou (muito menos, abusou de) alguém.
Pergunta que não quer calar: Se o Criador, que, em tese, teria ‘direito’ de usar suas criaturas, não o faz, como as criaturas podem sequer pensar em usar seus iguais, seus pares?

12)  “Profetizar”
“Eu profetizo bênçãos sobre sua vida”.
Ora, ‘profetizar’ significa ‘dizer antes de acontecer’ ou ‘proclamar algo em nome de Deus”. Mas, a bênção de Deus já está disponível, portanto não precisa ser profetizada.
Pergunta que não quer calar:
Esse tipo de profecia é profecia mesmo ou mero desejo pessoal… pensamento positivo?

13)  “Liberar”
“Eu libero uma palavra sobre sua vida!”
Ora, ‘liberar’ significa ‘libertar’, ‘soltar’, ‘desprender’.
Pergunta que não quer calar:
A “palavra” tava presa?

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