12.29.2015

NEOLOGISMOS DO MEIO GOSPEL (MAIS APONTAMENTOS)

57) “Dar legalidade ao demo!”

Neologismo puro! A Bíblia não fala nada sobre “legalidade”! Essa palavra nem existe no cânon! Isso já seria motivo suficiente para abandonar o modismo, mas vamos lá: “legalidade” vem do latim “legis”, que é “lei”, que todo mundo sabe o que é. “Legalidade” pressupõe “juridicidade”, ou seja, uma “jurisdição (região) governada por uma lei”. A Bíblia fala em “lei”, em lei dos homens e lei de Deus, mas a principal lei referida nas Escrituras é a “lei de Deus”.

A lei de Deus se resume no amor. Amor a Deus e ao próximo. Por exemplo, “pecado” é quebrar a lei de Deus, ou seja, faltar com o amor. Santidade é andar de acordo com a lei de Deus, ou seja, amar a Deus e o próximo.

Bem, mas não é isso que o neologismo quer dizer. A tal da “legalidade” pressupõe um mundo abstrato no qual habitam, em igualdade de direitos, espíritos bons e maus e, acima deles, Deus e o Demo! Nesse “dualismo” legal (no sentido de “lei”, bem entendido!), as pessoas devem escolher à qual lei elas se submetem: à lei de Deus ou à lei do Demo.

Se elas seguirem a lei de Deus, o Demo não pode exigir obediência, ou seja, não tem jurisdição sobre elas. Mas se as pessoas seguirem a lei do Demo, aí então Deus não pode fazer nada, porque a pessoa aderiu à outra “legalidade”. Isso tá mais para misticismo, tipo ‘yin e yang’, do que para teologia cristã!

Ora, a Bíblia não fala nada sobre isso. Segundo o texto sagrado, há apenas uma lei, uma legalidade, uma jurisdição — isto mesmo: a de Deus! Seguir a lei de Deus, a lei do amor, é viver. Não seguir a lei de Deus, é morrer. Morrer em vida! Morrer antes de morrer! E, finalmente, morrer mesmo! É disso que se trata e não de legalidade do Demo.

Pergunta que não quer calar: Se Deus criou todos os seres e todas as coisas para seu sentido pleno, que tal seguir apenas a lei de Deus para a vida?
...
“Em nome de Jesus, Amém!”
É um neologismo! É um neologismo, sim! Esta frase famosa simplesmente não existe nas Escrituras, pelo menos não como “fecho” para orações. Não há nenhuma oração no Novo Testamento concluída com a frase “em nome de Jesus. Amém!” E, no entanto, segundo consta, as orações daqueles irmãos eram sempre atendidas!

A conclusão lógica preliminar é que a frase não é uma “mágica” que garante respostas à oração, mas, muito ao contrário, define o “caráter” da oração cristã, que é “orar segundo Cristo”, ou “como se o próprio Cristo estivesse orando” ao ponto de ser feita em “nome de Cristo”.

A origem desse “neologismo” é a palavra do próprio Cristo no Evangelho de João, dizendo coisas como: “Tudo quando pedirem em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se vocês pedirem alguma coisa em meu nome, eu o farei” (Jo 14.13s; 15.16; 16.23s).

Para esclarecer o que significa falar ou agir “em nome de” alguém, podemos consultar o senso comum e o Direito. É proibido usar o uso do nome de uma pessoa sem autorização e a autorização deve especificar os objetivos e os limites (p.ex., um instrumento de procuração). Descumprir isso tem nome: estelionato, falsidade ideológica, plágio, etc.

Mas, os religiosos modernos, pretendendo obter tudo que desejam, se apropriaram equivocadamente do “nome de Jesus” e colam tal expressão sob os mais egoísticos desejos e ainda esperam que Deus lhes atenda! Bem disse o velho Tiago: “Vocês pedem e não recebem, porque visam apenas seus próprios prazeres!” E Paulo lamentou: “Não sabemos orar direito… por isso o Espírito nos ajuda orando em nós!” (Rm 8.26).
Perguntas que não querem calar: Esse negócio de “colar” a expressão mágica “Abracadabra”… no fim das orações tá funcionando? Então experimente orar em conformidade com Jesus, no espírito de Jesus, na atitude de Jesus… Pois, isso é orar “em nome de” Jesus!
...

58) “É tremendo!”
É uma neo-gíria religiosa. A expressão pode ser usada para as mais diversas finalidades. Etimologicamente, a palavra vem do verbo “tremer”, do grego “tromos” (medo), de onde tiramos a nossa palavra “trauma”, por exemplo. Mas existe também o adjetivo “tremendo”, que nada mais é do que aquilo que nos faz “tremer”, tanto no sentido positivo (grandioso, maravilhoso), como no sentido negativo (horroroso, espantoso)!

A Bíblia usa a palavra “tremendo”, mas geralmente como flexão do verbo “tremer” — de medo! Como adjetivo, normalmente se refere a Deus, nos salmos e poesias, como “grandioso”, “grande Rei”, “santo” e “poderoso”, isto é, “tremendo!” Mesmo assim, não é a descrição de um Deus irascível, mas admirável: “Louvem o teu nome, grande e tremendo, pois é santo.”

Bem, na neo-linguagem religiosa, “tremendo” se tornou palavra-chave, especialmente para descrever os tais “encontros com Deus” (ECD), retiros de fins de semana que muitas igrejas adotaram, especialmente as que aderiram ao movimento G-12.

Os cristãos de toda a história sempre praticaram o hábito de fazer retiros para cultivo da vida espiritual, mas o que se tem agora é mais uma técnica de “marketing”, segundo a qual os participantes do “ECD” se comprometem a não dizer nada que acontece no retiro, a não ser: “É tremendo!”

Oh, saudade dos retiros antigos! Haja paciência!

...

59) “Oh, glória” “Dar glória a Deus!”
A palavra “glória” vem do grego “kleos”, que vem do verbo “kleu” que significa “ouvir” no sentido de “ouvir falar de alguém”. Daí evoluiu para “fama”, “reputação”, “honra”. O “kleos” palavra aparece apenas uma vez no Novo Testamento (em 1Pe 2.20). Sem dúvida alguma, a palavra mais usada para “glória” no NT é “doxa”, traduzida como “brilho”, “esplendor”, “majestade”, e também como “fama”, “honra”, “prestígio”, “louvor”. Como verbo (“dokeo”), é traduzido por “louvar”, “honrar”, “magnificar”, “glorificar”.

Em hebraico, “glória” é “kabod”, que significa originalmente “peso”. A palavra pode ser usada para descrever a riqueza, honra, fama e as realizações de pessoas, mas principalmente as manifestações de Deus, no sentido de “brilho”, “luz”, “poder”.

Mas, na neo-linguagem religiosa, a palavra “glória” está despida de toda a sua “glória”… Por exemplo, a expressão “Oh, glória” pode ser usada como interjeição sinônima de “uau!”, “puxa vida!”, “legal!” ou qualquer coisa assim. O costume de “dar glória a Deus” pode ser apenas invocação das manifestações do Espírito. Virou até substantivo masculino — “dar ‘um’ glória a Deus”.

Perguntas que não querem calar: Que “glória” os homens podem “dar” àquele que é a própria Glória? Deus precisa receber glória dos homens? Será que a “Glória” depende da nossa glória? Será que a “glória” de Deus é da mesma natureza que a glória dos homens? O que é glória para os homens seria glória para Deus? Nós mal compreendemos as manifestações de “glória”, mas a Glória mesma, o que é?

Como disse o salmista, diante do inefável, “tudo diz: Glória!” (Sl 29.9).
...

60)“Estou apaixonado por Deus” “Apaixonado por Jesus”

“Apaixonado”, de “paixão”, do latim “passio”, “passus”, particípio do verbo “patior” que significa “padecer”, “sofrer”. Esse verbo deu origem a diversas palavras em português, como “paciência”, “com-paixão”, “sim-patia”, etc. Posteriormente, houve uma fusão semântica do latim “passio” com o grego “pathos”, e a palavra adquiriu o sentido de “desejo forte”. Por fim, o romantismo transformou “paixão” em sinônimo de amor intenso e fugaz, emocional, erótico… e assim ficou até hoje. Tanto é que, na linguagem comum, dizer “estou apaixonado” soa mais forte e sensual do que “te amo”.

Sem dúvida, a palavra “paixão” entrou para o vocabulário da fé cristã como referência ao “sofrimento” de Cristo, embora o Novo Testamento raramente use tal palavra para o caso. No texto grego original, “paixão” tem sempre o sentido de “desejo forte” ou “sofrimento”, “aflições”. Sim, a “paixão” de Cristo é um sofrimento por “amor”, mas está longe de ser o amor dos “amantes” — é o amor sacrificial de Deus, chamado “agape” no grego, e não “eros”.

Mas, nos últimos tempos, a palavra “paixão” ressurgiu no vocabulário religioso com a acepção sensual — um neologismo! A religião pós-moderna, mais centrada no humano do que em Deus, mais interessada em sensações do que em verdades, está adotando essa neo-linguagem para que as pessoas cantem sobre como estão “apaixonadas” por Deus.

Ora, a Bíblia não conhece essa linguagem. Ela fala muito de amor… do amor das pessoas, dos amigos, dos amantes, dos pais, dos filhos… mas sobretudo fala do amor divino: “Deus é amor!” Sendo Amor em essência, Deus convida o ser humano ao seu amor gratuito. Esse amor filial para com Deus se expressa em obediência aos seus mandamentos. E esses mandamentos levam de volta ao amor, pois Jesus disse: “O meu mandamento é esse: que vocês se amem uns aos outros, como eu os tenho amado”.

Perguntas que não querem calar: Diante daquele que é o próprio Amor, que sofreu a mais violenta “paixão” (no sentido original!), que conhece seu coração, não soa um pouco temerário dizer que está “apaixonado” por Ele? Não seria melhor dizer como Pedro: “Senhor, tu sabes tudo… tu sabes que tenho afeição pelo Senhor… mas amar mesmo, amar…”
...

61) “Cair no Espírito”.
“Cair” vem do latim “cadere”, daí “caer” e então “cair”. Há uma palavra derivada dessa que é importante para a nossa teologia: a palavra “queda” (de “caeda”), usada para descrever a perda do status original do ser humano: de “glória” para o “pecado”, separação de Deus e a consequente quebra de todos os relacionamentos.

Bem, mas esta “queda” não tem nada a ver com o “cair no Espírito”. Nessa frase, “cair” é um verbo transitivo indireto: quem “cai”, “cai em algum lugar”, como “cair no chão”, no caso concreto, “no Espírito”. Então, se “cair” é um movimento de “cima para baixo”, supõe-se que o Espírito está no chão?! Ou então seria “cair” pelo golpe… ops… poder do Espírito?

A Bíblia não fala nada sobre “cair no Espírito”. Ela fala que o Espírito foi dado para levantar o ser humano do seu status de pecado e elevá-lo à glória de Deus. A Bíblia fala de “nascer do Espírito”, “renovar-se no Espírito”, “orar no Espírito”, e coisas assim… mas “cair no Espírito” não fala… Portanto, “cair no Espírito” é um neologismo completamente estranho à fé cristã.

Perguntas que não querem calar: Por que e para que o Espírito derrubaria pessoas? O Espírito de Cristo foi enviado para con+vencer as pessoas, intelectualmente… mas, vencer fisicamente?

...

62) Escola bíblica dominical

Esse é um neologismo mais ou menos recente… não chega a 300 anos! Essa escola se tornou tão importante que dá a impressão que sempre existiu, mas, assim como a “célula”, é um neo-logismo, pois a Bíblia não fala nada sobre “Escola Bíblica Dominical” (EBD)!

A etimologia é simples, mas não dá conta de explicar o neologismo: É uma “escola”, porque é lugar de ensino. É “bíblica” porque o livro base é a Bíblia. E é “dominical” porque costuma se reunir aos domingos, o principal dia do culto dos cristãos.

Historicamente, a EBD surgiu na Inglaterra, na época da Revolução Industrial, por iniciativa de um jornalista chamado Robert Raikes, que andava preocupado com as crianças pobres, submetidas a trabalho insalubre das fábricas e excluídas das escolas regulares e que ficavam ociosas aos domingos. Então ele começou a reuni-las nesse dia para alfabetizá-las com base em textos bíblicos. A ideia deu tão certo que se alastrou imediatamente para outros países, foi assumida por todas as igrejas evangélicas e se tornou um verdadeiro centro de formação cristã.

Assim, apesar de ser neologismo, a “escola bíblica dominical” resgata um hábito primitivo dos cristãos, descrito como “ensinar todas as palavras de Jesus” e “perseverar no ensino dos apóstolos”. Além disso, a EBD está em linha com os ideais da Reforma Protestante que colocou a Bíblia na língua do povo e, por isso, tem de ensinar o povo a ler e interpretar o texto sagrado.

Ultimamente, porém, a EBD está se tornando rapidamente um museu-logismo fora de moda! A sociedade moderna não tem mais interesse em refletir temas essenciais… As igrejas estão trocando suas EBDs por eventos mais interessantes… Os sobreviventes são considerados bichos estranhos, uns “tatus”, por causa dessa mania de buscar os tesouros escondidos das Escrituras…

Triste fim de um “neologismo” tão antigo, com uma história tão bela…
...

63) “Estar no centro da vontade de Deus”.
Já examinei a palavra “vontade” (desejo, querer) e “plano” de Deus, no sentido de projeto pessoal definido, mas resta saber se essa “vontade”/”plano” tem um “centro”, e, se tem, o que significa?

Bem, a palavra “centro” vem do grego “kentron” que significa “ferrão”, “ponteiro”, aguilhão ou qualquer coisa que tenha uma “ponta aguda”. Daí a ideia de ponto no “centro” de um círculo e, portanto, a ideia de “centro” geográfico/geométrico. A Bíblia nunca usa a palavra “centro” (nem em sentido literal, nem figurado) e muito menos fala em “centro da vontade” de Deus. Nenhum autor bíblico jamais exortou os cristãos a buscarem viver no “centro da vontade” de Deus.

Ah, sim, claro que a Bíblia fala muito da vontade de Deus como sendo a salvação e a santificação de todas as pessoas. E também é claro que há pessoas que amam e buscam com mais cuidado viver segundo a vontade de Deus. Mas, segundo os apóstolos, a vontade de Deus não é um “lugar geográfico”, mas uma atitude que o próprio Deus gera nas pessoas que o amam e que sempre resulta em um estilo de vida de santidade, amor, humildade, fé, esperança.

A neo-linguagem religiosa trata a vontade de Deus como um lugar dividido em zonas, que tem “centro”, “periferia” e “borda” (talvez com a mesma ideia de “vontade perfeita” e “vontade permissiva”…). O problema é que esta divisão acaba classificando as pessoas entre aquelas que moram no “centro” e a aquelas que moram na “periferia” da vontade de Deus. E onde há classificação está criado o ambiente para brotar o orgulho “espiritual” e não o companheirismo, solidariedade, humildade e união!

Perguntas que não querem calar: Em vez de lotear a vontade de Deus entre “centro” e “periferia”, que tal darmos as mãos e nos ajudarmos uns aos outros a andarmos na boa, agradável e perfeita vontade de Deus?
...

64) “Sentir a presença de Deus”.
Bem, “sentir”, para encurtar a história, vem do latim “sentire”, cujo significado mais comum é “perceber com os sentidos” ou “sentir com as emoções” as impressões do mundo exterior, como calor, frio, tristeza, alegria, cores, sabores, etc.

Ora, Deus não é um Ser físico, mas espiritual. Segundo a teologia cristã, Deus é onipresente, ou seja, está plenamente presente em todos os lugares. Sendo assim, Ele enche e preenche todas as coisas materiais e as ultrapassa, pois não se confunde com a matéria ou com os seres que existem.

Há, portanto, aí um problema lógico: como é possível “sentir” (perceber, captar) o Espiritual por meio de faculdades físicas? É claro que nós temos alegria e prazer na devoção a Deus. Mas também temos de admitir que muitas “emoções” são despertadas por motivos falsos… E é aí que mora o perigo da busca “sensorial” da presença de Deus… As emoções podem ser facilmente manipuladas… por isso não são confiáveis…

P’ra começo de conversa, a Bíblia nunca usa essa expressão, nem trata as manifestações da “presença” de Deus como objeto irracional ou apenas dos “sentidos”. A Bíblia fala de um povo que confia na presença de Deus, mas também espera pelo “dia” em que Ele estaria presente sem impedimento… “Habitarei com meu povo…” Em Cristo, esse Dia já começou! Quando Cristo nasceu, o evangelista lembrou que seu nome profético seria “Emanuel”, que significa “Deus [está presente] conosco”. Quando Jesus se despediu dos seus amigos, disse: “Eu estarei presente com vocês todos os dias para sempre”. Assim, o cristão sabe que está na presença de seu Deus todo dia, independente de “sentimentos”.

Por isso “sentir a presença de Deus” é um neologismo…

Perguntas que não querem calar: Não é estranho que algo nunca abordado pelas Escrituras — nossa regra de fé e prática — tenha se tornado tão importante para a fé moderna? Não seria melhor superar a dependência “emocional” da presença de Deus em direção a um viver na presença dEle? Isto não é paraíso?
...


65) “Ih, você é daquela denominação?” “A nossa denominação é mais cristã!”
“Denominação” vem do verbo “denominar” que significa tão somente “dar nome” (“nominar”). “Nome” vem do grego “onoma”, que vem da raiz “gno” (conhecer, de co+‘gno’+scere, co+‘gno’+me), ou seja, a palavra pelo qual alguém ou algo é conhecido (identidade).

Até aí tudo bem… mas como essa palavra se tornou um neologismo religioso? Bem, o “nome” se torna necessário quando se tem mais de uma pessoa ou coisa para “denominar”. Foi assim que surgiram os nomes, os sobrenomes e os cognomes (apelidos) das pessoas. Com as igrejas foi a mesma coisa. Isso ocorreu a partir da Reforma Protestante do século XVI. Quando surgiram as diversas igrejas protestantes, surgiu também a necessidade de distingui-las por suas marcas distintivas, doutrinais, geográficas, governativas e metodológicas, como por exemplo, “luteranas”, “presbiterianas”, “metodistas”, “batistas”, etc. Com o passar do tempo, a palavra “denominação” passou a ser usada para designar todas as diversas igrejas cristãs não católicas.

Portanto, apesar de soar umbilicalmente ligado ao cristianismo, trata-se de “neologismo”, porque obviamente o Novo Testamento nunca usa tal palavra. Mas, mesmo sendo um neologismo, o uso da palavra “denominação” se justifica como contingência histórica e organizacional. Não tendo governo único como os católicos e os ortodoxos, os protestantes mantêm diversas organizações eclesiais descentralizadas chamadas de “denominações”. Porém, quando a bandeira da “denominação” é erguida para representar qualquer coisa além disso, aí já se trata de “guerra santa” e, então, não resta mais nada de cristianismo, pelo menos não o de Cristo.

Perguntas que não querem calar: Se nossa religião é cristã e se “denominação” não é sinônimo de “religião”, que tal guardar as armas da “guerra santa” e dar as mãos aos irmãos?
...

66) “Segredo da bênção”, “segredo da oração”, “segredo da vitória”.
Bem, a palavra “segredo” é o mesmo que “secreto”: ambas são particípio passado do verbo latino “secernere” (“se” + “cernere”). A partícula “se-” tem a ideia de “separar” e “cernere” (que deu nosso verbo “cernir”, ou peneirar, separar) significa “cortar”. Portanto, “segredo” é aquilo que é separado e colocado à parte, ou seja, em “secreto” (oculto).

Como neologismo, o “segredo” tem três pés: um no misticismo (religiões de mistérios), outro na auto-ajuda e outro no “marketing”.

O mercado religioso adotou esse neologismo amplamente e embarcou na onda de vender “segredos” sobre tudo: “segredo” da vida, “segredo” do casamento, “segredo” da oração, “segredo” da vitória, “segredo” do crescimento da igreja, o “segredo” do “segredo”!

É claro que há princípios bons que merecem ser compartilhados, mas o problema com esse neologismo é que pressupõe pessoas especiais detentoras de “segredos”, que normalmente os compartilham “comercialmente” mediante a venda de livros, cds, dvds, palestras, cursos, etc… Músicas, conferências, livros e ministérios inteiros sobrevivem vendendo “segredos” espirituais. Recentemente, o livro de auto-ajuda chamado “O Segredo” fez o maior sucesso entre religiosos… também fez fortuna… para sua autora, obviamente…

Bem, para começo de conversa a Bíblia não fala de “segredos” nem trata qualquer assunto importante como “secreto”. Muito pelo contrário, ela fala de “boas novas” e de revelação. Quando Jesus morreu, o véu do templo se rasgou de alto a baixo. Acabou-se a religião do mistério. Jesus é o fim do “segredo” e do “secreto”. Ele é a luz e a partir dele tudo é claro e revelado.

Perguntas que não querem calar: Se Jesus, que era o “mistério” de Deus, se revelou, quem é você para falar de (e vender!) segredos de Deus?





by Eliseu Pereira
Professor na Faculdade Batista do Paraná e na Faculdade Cristã de Curitiba
Estudou Teologia na instituição de ensino PUC PR
https://www.facebook.com/eliseugp


http://tele-fe.com/portal/category/serie-neologismos-religiosos

...

11.23.2015

NEOLOGISMOS DO MEIO GOSPEL (CONTINUAÇÃO)

44) “Eu recebi uma palavra “rhema” de Deus!”
Rhema? Rema? Remo? Rema, rema, remador…

Calma! “Rhema” não tem nada a ver com barco! O caso é até simples: trata-se de uma palavra grega que significa tão somente: “palavra”. Portanto, traduzindo a frase acima, seria: “recebi uma palavra ‘palavra’ de Deus!” Mas que raio significa isso?

Bem, lá pelos idos, num momento criativo (!), surgiu um neo-doutrina, segundo a qual Deus fala de duas maneiras (como se o infinito pudesse ser limitado a duas maneiras… rsrsrs): por meio da palavra “logos” e por meio da palavra “rhema”. Nesse vocabulário, “logos” seria a palavra escrita para todo mundo, a mensagem geral, ou seja, a Bíblia. E “rhema” seria uma palavra dita por Deus dirigida a uma pessoa, que pode constar na Bíblia ou não. Essa palavra “rhema” é a palavra criativa que as pessoas devem usar para “criar” realidades, determinar, declarar e por aí afora…

Mas o fato é que tanto a palavra “logos” como a palavra “rhema” são sinônimas. Ambas significam a mesma coisa: “palavra”. “Logos” é mais usada (aparece centenas de vezes) no Novo Testamento e é traduzida quase sempre como “palavra”, mas também como “linguagem”, “notícia”, “ensino”, “ditado”, ou seja, “o que se diz” (derivada do verbo “lego”, “dizer”). “Rhema” vem do verbo “rheo” que também significa “dizer”, “falar” (também ocorre uma vez como “fluir” em Jo 7.38).

Pergunta que não calar: Se o Deus Eterno-Pessoal falou por meio de Cristo, o “Logos” divino, como é possível reduzir a revelação de Deus a duas palavras — e ainda sinônimas?

...


45) “Quebra de maldição hereditária”
Esse neo-logismo é brabo! Então, vamos por partes: “maldição” vem de “maldizer” (“mal” + “dizer”), ou seja, “dizer o mal” ou “desejar o mal”. Como as palavras humanas são apenas “sons” que carregam “ideias”, elas não criam nada, nem causam nada: nem o bem, nem o mal. A não ser aquele “bem” ou “mal” imediato e emocional de ouvir algo bom e ouvir algo mal! É claro que é mais agradável ouvir um elogio do que um xingamento! Ainda mais se quem o diz é alguém que tem importância e influência sobre aquele que ouve.

E é aí que entra o “hereditário”. A palavra vem de “herdeiro” e “herança”, que vêm de “herdar”, derivada do latim “heres”, que se refere às posses de uma família. Desse sentido material passou ao sentido biológico como características genéticas que passam de pais para filhos.

Então, em que sentido as “palavras más” poderiam ser “hereditárias”? Não no sentido material, nem biológico, obviamente! Apenas no sentido emocional, porque os pais têm importância e influência vital sobre os filhos. Se uma pessoa qualquer xingar um menino na rua, tudo que vai causar é certa raiva. Mas se é o pai que xinga o filho, essa raiva pode virar mágoa e durar muito tempo. Quanto tempo? Exatamente o tempo em que o filho as guardar no coração! Felizmente, no momento em que perdoar o ofensor e jogar fora as “palavras más”, ele estará livre!

Portanto, não há “maldição hereditária”! O que há são ofensas e mágoas decorrentes de relacionamentos afetivos. Mas isso se resolve com perdão!

Pergunta que não quer calar: Está magoado com seu pai ou mãe? Com algum parente? Perdoe e vá ser feliz!
...

46) “Eu te abençoo, irmão!”
A palavra “bênção” é a síncope (contração) de “ben(di)ção” (perdeu a sílaba -di-), que vem de “bendizer” (“bem” + “dizer”), ou seja, “dizer o bem” ou “desejar o bem” (o contrário de “mal-di-ção”, “dizer o mal”). A palavra “benzer” — um tanto mais pretenciosa — mas, também significa apenas “bendizer” sem a sílaba perdida (-di-). A palavra grega para “bênção” (“eulogia”, de eu+logeo, de onde tiramos “elogio”) significa a mesma coisa: “falar bem” de alguém.

Nesse sentido, o neo-logismo “eu te abençoo” significa tão somente “eu desejo o seu bem”. A prova cabal é aplicar a frase a Deus. Quando o salmista dizia “bendirei a Deus” ou “bendito seja Deus”, ele estava pretendendo “falar bem de Deus” ( = “louvar”, “elogiar”) ou “acrescentar bem a Deus”? Ora, o menor não poderia abençoar o maior! Até as mães sabem que “abençoar” é prerrogativa exclusiva de Deus. Quando os filhos pedem sua bênção, elas respondem: “Deus te abençoe, meu filho!”

Mas, na neo-linguagem dos religiosos pós-modernos, não se acredita mais no “bem” que só Deus pode gerar. Pelo contrário, trocou-se “Deus” por “EU”. Saiu o “Deus te abençoe” e entrou o “EU te abençoo”. Faz sentido! Às vezes, a “benção” de Deus demora! Então “ah, vem cá que EU mesmo te abençoo!”

Pergunta que não quer calar: Acha mesmo que pode criar o “bem” a partir de si?

...
47) “Ficar na brecha!” ou “Orar na brecha!”
Essa não chega a ser uma neo-palavra, mas tem sido mais usada do que entendida. A palavra “brecha” vem do indo-europeu “bregh-” passa pelo alemão antigo “brekan” e pelo inglês “break” (quebrar) e significa: ruptura, fenda, rachadura, fratura, quebra. Também formou a nossa palavra “briga” (romper)!

Mas, para chegar ao sentido religioso, é necessário evocar a “figura” que lhe serve de fundo. No mundo antigo, as cidades eram cercadas por muralhas de proteção, por isso havia grande preocupação com a conservação dos muros. Quando apareciam brechas no muro, era necessário que alguém guardasse aquele ponto fraco até que fossem reparadas.

A expressão ocorre no livro do profeta Ezequiel, onde Deus lamenta: “Busquei dentre eles um homem que estivesse tapando o muro, e estivesse na brecha perante mim por esta terra, para que eu não a destruísse; porém a ninguém achei” (Ez 22.30). No original hebraico, “brecha” é “peres” e o inimigo que ameaça a cidade é o próprio Deus! Portanto, esse figura aponta para “Cristo”, o “Mediador” que se põe na “brecha”, ergue-se sobre o abismo entre Deus e os homens.

Daí surgiu a expressão de “estar na brecha”, com o sentido de colocar-se em oração diante de Deus em favor de alguém (intercessão, mediação), assim como um soldado colocava-se na brecha do muro em favor da cidade cuja muralha estava rompida. Uma figura bonita de proatividade, solidariedade, responsabilidade, proteção…

É… faz sentido! Não chega a ser um neo-logismo! É talvez uma expressão idiomática! Apenas uma bela expressão “crentÊs”! Sem mais perguntas…
...
48) “Eu tenho Cristo, não tenho crise!”
É um slogan muito usado… Bem, primeiro “Cristo” não pode ser colocado como antítese de “crise”, como se um excluísse o outro! A única coisa que “Cristo” e “crise” têm em comum é a sílaba “cri”… rsrsrs. E o que isso quer dizer? Nada!

Bem, a palavra “Cristo” é tradução do hebraico “Messias” (do verbo “mashah”, “ungir”) e significa “Ungido”. Inicialmente era um título de Jesus, mas como não tinha muito sentido em grego acabou virando um “sobrenome”: Jesus Cristo.

Já a palavra “crise” vem do grego “krisis”, do verbo “krino” que significa “julgar”, “separar”, “decidir”, “discernir”. Essa palavra formou diversas outras em português, como “crise”, “crítica” e “critério”. Literalmente, “crise” era um termo de uso médico, usado para descrever o estado do paciente que, após ser medicado, atingia um ponto “crítico”, a partir do qual sarava ou piorava. Podia até piorar para depois melhorar!

Ora, a palavra “crise” não aparece no Novo Testamento em português, mas em grego aparece muitas vezes, sendo traduzida como “julgamento”, “juízo”, “justiça”, “condenação”. Por exemplo, a famosa expressão “dia do juízo” é “emera kriseos” em grego, literalmente o “dia da crise”, dia da separação.

Então, no sentido cristão original, Cristo não eliminou as crises, pelo contrário Ele pôs o mundo em crise: suas palavras e gestos “julgam” (krineo) o mundo. Depois dEle, o “paciente” está em estado crítico: ou melhora ou piora de vez! Ou se salva ou se perde de vez!

É… a frase “tenho Cristo, não tenho crise” é bonitinha, mas serve apenas como slogan mesmo! O problema é que não dá para viver de slogan…

...
49) “Ame a si mesmo!”
Essa é uma neo-linguagem típica da religião moderna! Segundo Jesus, toda a lei de Deus se resume a apenas dois mandamentos: o primeiro é “amar a Deus de todo o coração” e o segundo é “amar o próximo como a si mesmo”. Ambos os mandamentos estão qualificados (“de todo o coração” e “como a si mesmo”). Durante muito tempo, essas palavras de Jesus foram acatadas corretamente.

Mas nos tempos modernos, surgiu uma neo-hermenêutica que pretende criar um mandamento intermediário entre o primeiro e o segundo. O raciocínio é o seguinte: Se Jesus mandou que eu ame o próximo como a mim mesmo, então, antes de amar o próximo, eu preciso amar a mim mesmo e, só depois de suprido do meu “amor-próprio”, eu estarei em condições de amar o próximo.

Falso! Não existe o mandamento de amar a si mesmo, justamente porque o “amor a si mesmo” é um dado! Aliás, o nosso problema não é falta de “amor próprio”, mas o excesso — o “ego”ísmo!

Por isso, os dois mandamentos de Cristo invertem a lógica do amor-próprio em direção à alteridade: “Ama o seu próximo como a ti mesmo, porque ele é tu”. Segundo a lógica de Cristo, o primeiro mandamento (amar a Deus) dá condições para o segundo (amar o próximo). Entre um e outro, a pessoa já está completamente suprida de amor!

Pergunta que não quer calar: Amar a si mesmo para depois amar o próximo? Esqueça! Nunca haverá “amor-próprio” suficiente para encher o abismo do coração…

...

50) “Suas palavras têm poder!” ou “Há poder em suas palavras!”
Esse é um neo-logismo “radical”, porque deu origem a diversos outros neologismos. Quase toda a neo-teologia da “confissão positiva” depende desse neologismo, de modo que, se a tese for contestada, a confissão positiva cai.

Ora, segundo a fé cristã, a palavra de Deus tem poder de criar a partir do nada! Em Gênesis 1.3 diz: “E disse Deus: ‘Haja luz!’ E houve luz”. Simples assim e sem maiores explicações! O próprio Cristo é chamado de “Palavra encarnada” de Deus: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus e a Palavra era Deus. […] E a Palavra se fez carne” (João 1.1-3, 14). Portanto, a Palavra de Deus tem o poder de Deus.

Mas, a neo-linguagem religiosa se deixou seduzir por religiões místicas e pela indústria da autoajuda, segundo as quais o ser humano também tem o poder de “criar”, por meio da suas próprias palavras e da força de seu pensamento, aquilo que ele deseja: “Haja felicidade” e houve felicidade!… Oh, ‘vontadinha’ de ser Deus, hein!

Bem, de fato, o dom de “falar” é exclusivo do ser humano. Aliás, a fala é um dos principais distintivos entre os humanos e os animais. Embora os animais se comuniquem, não há nada como a capacidade humana de falar! Assim, o “falar” nos distancia do mundo animal e nos aproxima de Deus. Mas é só! O dom de “falar” não nos torna deuses, nem confere às palavras humanas o poder divino de criar! Palavras humanas são apenas “sons” que carregam “ideias”. E só!

Perguntas que não querem calar: Esse negócio de “palavras têm poder” não é arrogar para si o poder divino? Não é sintoma do desejo de “ser igual a Deus”? “Sereis como Deus” não nos lembra algo?

...

51) “Avivamento!”
Esse é um neologismo puro porque foi criado especialmente pelos religiosos para indicar momentos de “despertamento” da fé. É um neologismo até antiguinho… Mas o fato é que “avivamento” não existe na Bíblia. Claro, o texto sagrado apresenta palavras sinônimas como “vivificar”, “reviver”, etc. com o mesmo sentido do neologismo. O dicionário também não ajuda muito. A palavra quer dizer apenas “avivar” que é “tornar vivo”, “re+viver”, “viver”.

Mais uma das aplicações mais simples da palavra “avivar” é quando se acende a lareira ou a churrasqueira. Para acender o fogo é preciso “avivar” as brasas. E como é que se faz isso? Por meio do vento (seja soprando, seja abanando) sobre o fogo.

Acho que esse é o sentido do neo-logismo religioso: no Pentecostes, o Espírito Santo foi simbolizado tanto pelo “fogo” como pelo “vento”. O fogo significa “vida viva”, e o vento é o que sustenta o fogo, ou seja, a vida.

Para “avivar” esse fogo “figurado” da fé cristã, há um vento também “figurado”, o sopro de Deus. Ora, nas línguas bíblicas originais, a palavra usada para “vento” é a mesma usada para “Espírito”: em hebraico, “ruah”; e em grego, “pneuma” (radical que existe em português em “apneia”, “pneu”, “pneumonia”, “pulmão”, etc. todas relacionadas a “ar”).

Portanto, assim como a vida física é sustentada pelo “vento no nariz” (a respiração), assim também a vida de fé é animada pelo “vento do Espírito”. Na Bíblia, o Espírito de Deus é o que dá vida e também é o que inspira (respira) a Palavra, o “Logos”, o Cristo.

Conclusão étimo(-e-)lógica: o Espírito de Deus aviva a fé por meio da Palavra de Cristo. Isso é avivamento! “Avivar” é “renovar a vida”, o “ânimo espiritual”, a fé em Deus. Ou é isso… ou então será apenas um neologismo mesmo!

...

52) “Aleluia”
 “Aleluia” é uma palavra hebraica sem tradução. Por isso se diz “aleluia” em qualquer língua! Ao contrário do que se pensa, “aleluia” não é uma palavra de louvor a Deus, mas um convite ao louvor. Ela é composta de “hallelu” + “Yah”. “Hallelu” é um verbo e significa “louvai” e “yah” é a abreviatura do nome de Deus “Yahveh” (traduzido como Javé ou Jeová). Portanto, “aleluia” é, na verdade, uma frase, frase que era usada na liturgia do templo dos judeus quando os sacerdotes convidavam o povo à adoração de Javé. Eles diziam: “Louvem ao nosso Deus Javé”. Então o povo se prostrava e o louvava!

Assim, quando as pessoas dizem “Aleluia! Aleluia!” na verdade estão dizendo: “Louvem a Deus! Louvem a Deus!”

Tudo bem! O convite é uma das partes da liturgia. Mas a outra é o próprio louvor! Portanto, tem de chegar o momento em que se deve parar de “convidar ao louvor” e começar a “louvar” de fato! Senão será como a mãe que diz “vamos almoçar”, “vamos almoçar”, mas nunca serve o almoço!

Conclusão que não quer calar: Ou se louva a Deus com entendimento, ou então até a antiquíssima palavra “aleluia” será apenas um neologismo!

PS: E a frase não existe no plural “aleluiassss”.

...
53) “Deus tem um plano para sua vida!”
Bem, para começo de conversa a Bíblia não usa a palavra “plano”, a não ser no sentido de “planície”. Ah, é verdade, ela fala de alguns “planos”, mas são planos de homens, como “plano” para construir o templo, “plano” para tirar a vida de Jesus, “plano” para emboscar o apóstolo Paulo, etc…

É, tem razão… embora a Bíblia não fale em “plano” de Deus, ela contém sinônimos como “propósito” ou “vontade” de Deus, mas em nenhum caso se trata do sentido neo-logístico de “projetos individuais”, senão de princípios gerais.

Mas a neo-linguagem religiosa criou um “Deus centrado no ser humano”, um Deus que realiza projetos pessoais e que tem “planos” escritos nas estrelas para cada pessoa. O que leva a um “fatalismo”, teologia do “destino”, que são teses absolutamente estranhas à fé cristã. Esse neologismo gera outras estranhezas como a tal da “vontade permissiva”, que é um neologismo de segundo grau! Ou… um jeitinho para acomodar uma tese não cristã dentro da nossa teologia!

É claro que a fé cristã fala de um Deus presente, imanente, um Deus que anda junto dos humildes, que trabalha para aqueles que nele esperam. Mas é um Deus que chama o ser humano para si, para aderir aos propósitos dEle — o que costumamos chamar de “caminho da salvação”!

Pergunta que não quer calar: se a Bíblia não fala em “plano de Deus para sua vida”, por que fazer desse neologismo um fundamento de fé? Por que não retomar o “anda na minha presença” e simplesmente viver a vida toda para Deus?
...

54) Casamento blindado, corpo blindado… carro blindado…
“Blindar” vem do antigo indoeuropeu “bhel” (“brilhar”), de onde se formou, em francês, o substantivo “blende” (nome de um mineral muito brilhante) e o verbo “blinder” (“cegar”), em alemão o verbo “blenden” (“cegar”) e em inglês “blind” (“cego”, “cegar”). A ideia é de algo tão brilhante que “cega” os olhos, daí a acepção de “encobrir”, “tornar invisível aos olhos”, uma alusão às chapas metálicas que se usa para “blindar” carros, etc.

Bem, todo mundo sabe o que significa carro “blindado”! Mas ultimamente surgiu no território religioso um ultra-hyper-neologismo segundo o qual é possível “blindar” pessoas, relacionamentos, negócios, etc. Essa prática já é bem conhecida das religiões afro para a qual usam uma terminologia mais simples: “fechar o corpo”.

Mas, na fé cristã, sinto informar, essa prática é totalmente estranha. A Bíblia, evidentemente, não usa a expressão “blindar”. Ela fala em “cego”, sim, mas apenas no sentido físico ou espiritual. Mas em blindagem definitivamente não fala, nem em qualquer ritual de blindagem. Não se refere a essa prática nem por meio de palavras antigas que poderiam ser equivalentes.

A única proteção que a fé cristã oferece é a comunhão com Cristo. A fé cristã não é baseada em rituais ou magias… Pelo contrário, é baseada em um andar diário com Cristo, um permanecer em Cristo. E quer saber? É suficiente!

PS: aliás, se quiser blindar o carro, use chapas metálicas mesmo!
...

55) “Vontade perfeita” e “vontade permissiva” de Deus.
Bem, “vontade” vem do latim “volunptatem”, de “volup”, do nome da deusa romana do prazer a “Volupta” ( = Hedoné, deusa grega), de onde tiramos o sentido de “volúpia”. A palavra evoluiu para “voluntad” (como aparece em “voluntário”), e daí para o verbo “volere” que se traduz em português por “querer”. Em inglês, “volo”, “wele” deu “will” (querer, vontade). Portanto, tudo isso apenas para demonstrar que “vontade” é o mesmo que “querer”.

A Bíblia fala muito sobre a “vontade de Deus”. Ele não apenas tem “vontade”, mas também tem “potência” para realizar tudo que deseja.

Mas o problema é que Deus deu ao homem o dom de ter “vontade” própria e como é difícil conciliar a “vontade” soberana de Deus com a “vontade” livre do ser humano, os religiosos modernos criaram estes dois neologismos: “vontade perfeita” e “vontade permissiva”.

“Vontade perfeita” seria o “plano A”, aquele plano “escrito nas estrelas”, ou seja, o destino eterno e pessoal de cada um. E a “vontade permissiva” seria um tipo de “plano B”, um plano de consolação para quem se perdeu do plano A. Tipo assim, Ele não gostou, mas deixa rolar… ou quebra o galho de quem perdeu o bonde do plano A. Ora, essa tal “vontade permissiva” é filha direta da teologia do “fatalismo”, do “plano de Deus para sua vida”…

Ora, a Bíblia não fala nada sobre “permissividade” de Deus. Aliás, as palavras “permissivo” e “permissividade” têm conotação negativa, de “falta de firmeza”, “fraqueza” e “indulgência”, o que seguramente não é o que a Bíblia diz sobre Deus.

Ela fala de um Deus soberano, que não perde o ponto nunca, aconteça o que acontecer. Tão soberano que nem a somatória de todas as decisões humanas simultâneas poderia surpreendê-lo ou afetá-lo. Um Deus que está sempre pronto a dar novo começo a qualquer tempo, que pode entrar no caminho as pessoas, mesmo quando tudo parece perdido.

Pergunta que não quer calar: Esse Deus que tem um tiro só na agulha não é meio humano demais? Que tal deixar Deus ser Deus e confiar na soberania que ele tem de realizar todas as coisas o tempo todo?
...

56) “Batalha espiritual”
Que raio é isso? Ficção científica? A batalha de espíritos? Guerra nas estrelas? Batalha entre pessoas e espíritos?

Bem, vamos por partes: “batalha” vem do latim “batualia”, de “batuere” que é “bater”, ou seja, “dar golpes”, de onde também se chega à palavra sinônima “combate” (co+bater) ou “bater-se uns contra os outros”. O sentido é de luta, guerra, conflito entre duas partes.

“Espiritual” vem de “espírito”, do latim “spiritus”, do verbo “spirare” que aparece em “respirar” (“re”+”spirar”), significando, portanto, “ar”, “sopro”, “vento”. A palavra evoluiu para significar a substância imaterial, seja em referência a Deus, seja aos deuses, anjos, demônios.

Juntando os dois termos, dá o quê? Bem, a Bíblia contém muitos relatos de batalhas, mas todas elas com soldados de carne e osso, com armas reais e mortos reais. Mas fala (impressionantemente) pouco sobre guerra contra espíritos! Assim não há muito material canônico para servir de fonte para o neologismo “batalha espiritual”. Por isso é necessário andar com cuidado!

No principal texto sobre o tema, Paulo, escrevendo aos Efésios, diz que nossa luta não é contra pessoas de carne e osso, mas contra poderes que habitam acima e além das pessoas (o que ele chama de regiões celestiais).

Isso significa, antes de tudo, uma ruptura fundamental com a lógica da violência de todos os tipos. Jesus proibiu toda vingança e ensinou a perdoar e amar o inimigo! Paulo disse que o amor ao semelhante é o resumo mais radical de toda a lei de Deus, porque o amor ao semelhante pressupõe amor a Deus! Ora, se não há nenhuma possibilidade de violência contra pessoas, a que batalha Paulo se referiu? Contra quem? Com que armas?

Bem, a definição das “armas” indica a natureza tanto da “batalha” como do “adversário” a ser enfrentado. Assim, vejam as armas que Paulo recomendou aos cristãos. São as armas do próprio Deus. E — pasmem! — são as seguintes: verdade, justiça, paz, fé, salvação, amor e oração.

Eis aí as armas e, por dedução, os inimigos a serem combatidos! O que passar disso é “guerra santa” ou “alien-ação”!
...

by Eliseu Pereira
Professor na Faculdade Batista do Paraná e na Faculdade Cristã de Curitiba
Estudou Teologia na instituição de ensino PUC PR
https://www.facebook.com/eliseugp



http://tele-fe.com/portal/category/serie-neologismos-religiosos

10.26.2015

MAIS 17 NEOLOGISMOS DO MEIO GOSPEL

27) “O Espírito Santo é muito sensível!”
De onde surgiu essa ideia de que o Espírito Santo é um Deus sensível e melindroso, que deve ser tratado com muita delicadeza se não Ele se ofende? Que fala tão baixo que é preciso ter muita atenção para escutar?

Talvez da dificuldade de definir e entender o Espírito Santo? Talvez porque o apóstolo ensinou a não extinguir o Espírito (como se fosse uma chama) ou a não entristecer o Espírito? Quem sabe, ainda, o fato de que não há perdão para pecados cometidos contra o Espírito Santo?

Bem de acordo com nossa fé trinitária, o Espírito Santo é Deus e tudo que o Pai é, o Filho é e o Espírito Santo também é igualmente.

– Ora, Deus é Todo-Poderoso, Todo-Amoroso, Soberano, Justo e Infinito.
– O Espírito Santo é Deus.
– Logo, o Espírito Santo é Todo-Poderoso, Todo-Amoroso, Soberano, Justo e Infinito. Então, tudo que entristece o Espírito Santo, entristece a Deus e tudo que apaga o Espírito Santo, também apaga a presença de Cristo!

Na teologia do Novo Testamento, o Espírito é o poder de Deus que cria e renova tudo e todos.

Pergunta que não quer calar: um Deus Todo-Poderoso, tão poderoso que se permite apagar e resistir pelo coração humano é sensível?

28) “Aceitar Jesus”
Outro paleo-logismo… mas também inexistente nos Evangelhos e na tradição da igreja…. Portanto, é “neo”. Os apóstolos nunca usaram a expressão “aceitar Jesus”, mas falaram apenas em crer e seguir Jesus.

Mesmo assim, talvez a palavra “aceitar” seja “aceitável”… rsrsrsrs, desde que bem entendida, porque se trata de uma “pessoa” aceitando outra “pessoa” e não uma “coisa”. E aceitar “pessoa” envolve compromisso!

O paralelo mais próximo poderia ser aquele da cerimônia de casamento onde ocorre a aceitação mútua entre os cônjuges para firmar um compromisso:

— “Fulano, você ‘aceita’ a fulana como sua legítima esposa até que a morte os separe?” e “Fulana, você ‘aceita’ o fulano como seu legítimo esposo até que a morte os separe?” “Então eu os declaro marido e mulher”.

Aceitação é reconhecer o compromisso de fidelidade eterna. Se for assim, o ato de “aceitar a Jesus” como Senhor e Salvador poderia ser colocado assim:

— “Jesus, você ‘aceita’ o fulano(a) como seu legítimo discípulo e amigo até que a morte… ops… até eternamente?” A resposta de Jesus já foi dada previamente há dois mil anos, mas pacientemente, ele responde: “Sim, aceito do profundo do meu eterno coração!”

Então, “Fulano(a), você ‘aceita’ Jesus como seu legítimo Senhor e Salvador até que a morte os separe?” ops… nesse caso “até que ‘por toda eternidade’, nessa vida e na próxima?” Se a resposta for “sim, aceito de todo o meu coração”, então se dirá: “Eu lhe declaro discípulo e amigo de Cristo para sempre”.

Pergunta que não quer calar: Gostaria de aceitar Jesus como seu Amigo pessoal para sempre?

29) “O sangue de Jesus tem poder!” “Cobrir com o sangue de Jesus”
Essa expressão está mais para um paleo-logismo do que neo-logismo…. Então por que incluí-la entre os neologismos? Pela mesma razão das anteriores: ela não consta em nenhum lugar das Escrituras e muito menos poderia ser aplicada como é no neo-dialeto religioso: para exorcismo!

É claro que o “sangue” de Jesus tem “poder” (eficácia), mas para perdoar pecados! Embora seja surpreendente para as pessoas não cristãs, essa é uma afirmação central para a fé cristã. O sangue é símbolo da vida, nesse caso a vida inocente de Jesus que foi oferecida a Deus voluntariamente em substituição da humanidade. Significa dizer: Jesus entregou sua vida para que a humanidade pudesse viver plenamente, para que ninguém mais precisasse morrer.

Pergunta que não quer calar: Você acredita em sangue como amuleto mágico? Ou entende o significado da morte e ressurreição de Jesus?

30) “Você já tem uma célula?” “Sua igreja tem célula?”
Calma! Eu também participo de célula na igreja! Mesmo assim, por mais popular que seja nas igrejas modernas, a tal da “célula” não deixa de ser um neologismo, porque, afinal, a Bíblia não fala nada sobre “célula”.

O que é uma “célula”? Originalmente “célula” é diminutivo de “cela” (‘cela’+’ula’), cela de prisão ou de monastério. “Cela” vem do latim “celare” (esconder, ocultar). Talvez a ideia original tenha vindo do favo, onde cada favo seja uma “célula”. No sentido biológico, designa as menores partículas do tecido orgânico. A palavra “célula” também é usada para designar pequenos grupos, como, quando se diz na mídia “célula terrorista”.

E essa é a acepção de pequeno grupo que foi apropriada pela neo-linguagem religiosa: “célula” é um pequeno grupo de cristãos que se reúne para vivenciar sua fé. É um neo-logismo para uma prática “primitiva” dos primeiros cristãos. Aliás, o Novo Testamento só conhece a igreja das pequeninas comunidades (“célula”?) e não a dos templos. Na história recente da igreja, a “célula” já foi chamada de “grupo familiar”, “grupo caseiro”, “culto doméstico”, “ponto de pregação”, “culto de ação de graças”.

Mas há uma novidade: o que hoje se chama “célula” marca uma tendência mundial dos cristãos no sentido de priorizar a reunião mais íntima, com menos pessoas, porque favorece a partilha, a comunhão, a edificação e o cuidado mútuo.

Sim, a Bíblia não fala em “célula”, mas contém dezenas de mandamentos de mutualidade e reciprocidade, aqueles com a estrutura “uns aos outros” que são melhor vivenciados nas pequenas comunidades!

Ufa, finalmente, achei um bom neologismo!

31) “Orar em quarta dimensão!”
Na linguagem da ciência, a expressão “quarta dimensão” já é usada desde o século XIX, como uma dimensão temporal ou espacial, além das três dimensões físicas. De lá para cá, o conceito influenciou diversos campos de conhecimento como artes plásticas, literatura, cinema, etc, mas continua sendo mais especulação do que ciência.

O conceito é bem conhecido nas religiões orientais, no espiritismo, na astrologia, e outras práticas esotéricas e místicas.

Pois a neo-linguagem cristã incorporou a “quarta dimensão”, a partir do encontro de cristãos orientais com religiões nativas orientais. Quem melhor formulou esse sincretismo foi o famoso Pr. Paul Yong-Cho, da Coreia do Sul. Seus livros se tornaram a ponte pela qual a “quarta dimensão” entrou na neo-linguagem cristã… e, infelizmente, se tornou a “mãe” de muitos neologismos…

Segundo essa neo-teologia, a “quarta dimensão” é a dimensão do espírito. Como as pessoas são feitas de matéria e espírito, é necessário se conectar à dimensão do espírito a fim de controlar o plano físico. Tudo que é visualizado (incubado) no campo do espírito é criado no campo físico.

Gozado, o Evangelho não fala nada de pessoas invadindo a tal dimensão do espírito. Pelo contrário, fala do espiritual invadindo o mundo “tridimensional”. Também não fala nada sobre controlar o mundo físico, mas de controlar seu próprio espírito (coração) e as inclinações inatas para o mal.

Perguntas?… sem perguntas…

32) “Você tem um chamado?” “Ministério é para quem tem chamado!”
Bem, começando do começo: “chamado” é o particípio do verbo “chamar” que vem do latim e significa o mesmo que “clamar” (mudou o ‘h’ pelo ‘l’), no caso, “chamar pessoas pelo nome e para algum objetivo”. Se “chamado” está no “passivo”, então tem de haver um “ativo”: um Chamador. Sem chamador não há chamada, nem chamado! Todo mundo sabe o que é chamada: “Fulano?” Resposta: “Presente!”

No vocabulário do Novo Testamento, a palavra “chamar” é muito importante. Os Evangelhos narram diversos casos de Jesus chamando pessoas: “Segue-me”. A resposta adequada para “chamado” é “seguir” (como discípulo).

No grego, “chamar” é “kaleo”, que pode aparecer traduzido como “convidar” ou convocar (“vocação”). Esse radical (kaleo) está presente no nome do Espírito Santo (Para+kaleo, “Paráclito”) e na palavra grega para igreja (ek+kaleo, “ekklesia”). Temos, portanto, um “Chamador” — o Cristo; a reunião dos que atendem o “chamado” — a igreja; e aquele que preserva os “chamados”, que está ao lado deles — o Espírito Santo.

Conclusão necessária: Há uma universalidade de chamado (“todos são chamados”) e uma diversidade de chamados (chamados para o quê?). Ou é chamado ou não é de Cristo!

Perguntas que não se calam: Se todos os cristãos são chamados, por que (des-)classificar entre chamados e

33) “Perdoar a si mesmo!”
Esse neologismo também povoa as terapias de libertação espiritual!

Mas, vamos lá:
Perdão pressupõe ofensa.
Ofensa pressupõe direito.
Direito pressupõe lei.
E lei pressupõe autoridade.

Assim, para perdoar a mim mesmo eu teria de ser o autor da minha própria lei, uma lei que garantisse meus direitos. Nesse caso, ao eventualmente quebrar minha lei, ofendendo a mim mesmo, teria, então, a hipotética prerrogativa de me perdoar… O que é um absurdo, porque não é possível ocupar a posição de legislador e legislado, de ofensor e ofendido ao mesmo tempo.

Se regesse minha própria consciência (lei natural), não teria conflito. Se tivesse conflito, me perdoaria. Se me perdoasse efetivamente, teria paz na consciência todo dia.

O fato é que, antes de ofender a mim mesmo, de fato, eu obrigatoriamente ofendi a autoridade da lei maior que rege a vida humana, da qual, obviamente, não sou o autor.

Perguntas que não se calam: “perdoar a si mesmo” não é meio arrogante? Não seria melhor corrigir essa frase dizendo “aceitei o perdão do Outro”, ou seja, de Deus? Não é o perdão exatamente a neo-logos do Evangelho?
34) “Perdoar a Deus!”
Esse neo-logismo foi criado pelos “ministérios” de cura interior…

Literalmente “perdoar” significa ‘per’ (tudo) + ‘doar’ (dar), ou seja, “perder tudo”. O perdão pode ser definido como a decisão de “deixar de exigir reparação pelo mal que alguém lhe causou”!

Ora, Deus não é tentado pelo mal, portanto não pratica o mal. Logo, não pode ser o autor nem a causa do mal na vida de ninguém e, portanto, não pode nem precisa ser perdoado. Pelo contrário, os seres humanos, por causa das suas fragilidades e imperfeições, é que devem perdoar e pedir perdão uns aos outros.

Todavia, no jargão das terapias religiosas, como “cura interior”, “libertação”, “regressão” e coisas assim, o ser humano é tão endeusado a ponto de perdoar o próprio Deus!

Perguntas que não se calam:
Perdoar a Deus não implica em lhe atribuir falta/defeito?
Um Deus que padece de faltas ainda é um Deus?
Não seria melhor resolver nossas diferenças com o nosso próximo e deixar Deus ser Deus?

35) “Canal de bênçãos”, “canal não sei do quê”…
 “Canal” vem de “cano”, que vem de “cana”, talvez por causa da semelhança física entre a cana e o cano… rsrsrsrs… “Canal” e “cano” tem o mesmo sentido: duto pelo qual passa alguma coisa, como líquidos, gases, etc. Também é usado no sentido no sentido figurado para transmitir coisas como sinal de TV e rádio, etc. Bem, mas isso todo mundo entende.

E no ambiente religioso? “Canal” seria o meio pelo qual a divindade se manifesta ou flui? Bem, nesse sentido a palavra “canal” já é usada, há muito tempo, pelo espiritismo como “channeling”, ou seja, a pessoa que serve de canal (médio, ‘medium’) para manifestação dos espíritos.

Mas no cristianismo, a expressão “canal” não é adequada, porque não existe a ideia de um Deus (ou espírito ou energia ou fé) que flui por um canal humano. O que há é um Deus que “habita” no coração dos seus filhos.

Pergunta que não quer calar: Em vez de pensar num Deus que apenas “escorre” pelo canal da sua vida, que tal deixar Deus fazer morada em seu coração?

36) “Fulano foi usado como ‘instrumento’ de Deus na minha vida!”
Já falei sobre a inadequação do verbo “usar” quando se refere a “pessoas”. Mas a expressão pode aparecer com um “objeto direito” em casos figurados quando a “pessoa” é representada por um “instrumento”, como, p.ex., na frase acima… Bem, p’ra começo de conversa, na Bíblia, a palavra “instrumento” aparece apenas no sentido literal, como artefato musical ou como ferramenta (etc.). Sim, é verdade que a Bíblia usa figuras para falar de pessoas, como “vaso”, “vara”, “bacia”, “barro”, etc.

Mas para entender essas expressões, é necessário ter uma noção mínima de figura de linguagem. Na frase acima, “pessoa” está sendo comparada a “instrumento” para destacar alguns traços em comum, mas não todos, pois o uso de figura impõe limites…

Por exemplo, alguns traços comparativos destacam o fato de que Deus age indiretamente, “por meio” de uma pessoa, assim como alguém realiza um trabalho “por meio” de uma ferramenta. E também há traços que não servem de comparação como o fato de que o instrumento é passivo, e a pessoa não!

No sentido denotativo, é impossível “usar” uma pessoa, a não ser com dolo, subterfúgios e chantagem! Por isso, todo cuidado é pouco. Objetos são usados, pessoas não!

Pergunta que não quer calar: em vez de ficar esperando que Deus o use passivamente como um “objeto”, que tal entregar-se a Deus de todo coração, pró-ativa e intencionalmente, para cooperar com Ele na vida do próximo?

37) Sobre clérigos e leigos.
 “Clero” e “leigo” são conceitos religiosos já consolidados há séculos… quase paleo-logismos, mas ainda assim são “neologismos”, porque não existem nas palavras de Jesus e nem nas demais Escrituras.

Já vimos sobre o significado de “leigo”. E “clero”? Bem, “clero” vem de “kleros”, palavra grega que aparece umas dez vezes no Novo Testamento original, mas nenhuma delas traduzida como “clero”. A palavra é traduzida como “sorte”, “parte”, “herança”.

A propósito, a única vez no NT em que a palavra “kleros” aparece em contexto de eclesial, ela se refere ao povo e não aos líderes! Ali, Pedro diz que os bispos devem cuidar bem do “kleros”, ou seja, dos irmãos que foram lhes foram confiados (1 Pedro 5.3).

Apenas séculos depois, a palavra passou a ser usada para se referir aos homens ordenados para o serviço religioso. Aparentemente, isso se deu com base na Lei de Moisés que atribuiu o sacerdócio aos levitas como uma herança (Dt 18.2), portanto um “kleros”.

Segundo os primeiros cristãos, Jesus transformou aqueles que não eram povo em “povo de Deus” e em “sacerdócio real” e “nação santa”. Assim, unificou “sacerdote” e “povo”, “clero” e “leigo” e criou algo inteiramente novo, inédito: uma família de Deus.

Pergunta que não quer calar: ah, deu pra entender ou precisa desenhar? Kkkkkk

38) “Fulano é leigo” ou “os leigos da igreja”.
 “Leigo” vem de “laikos”, que vem de “laós”, palavra grega que significa simplesmente “povo”. A Bíblia contém dezenas de vezes a palavra “laós”, porém, nenhuma delas traduzida como “leigo”, mas sempre como “povo”. Em relação à igreja, a Bíblia usa a bela expressão “lao toû theoû”, que quer dizer “povo de Deus”, um verdadeiro milagre! Pois como um Deus e pessoas humanas podem ser um só povo??? Os apóstolos disseram: “Antes vocês não eram povo de Deus, mas agora, em Cristo, são o povo e família de Deus” (cf. 1Pedro 2.9).

Apenas muitos séculos depois de Cristo, a palavra “leigo” passou a significar o povo comum em relação ao povo não comum — o “clero”. Ou seja, só existe “leigo” porque existe “clero”.

Na verdade, os protestantes não falam muito em “clero”, mas como conservaram o neologismo “leigo”, pressupõem que haja um “clero”.

Pergunta que não quer calar: Se Jesus deu a vida para criar um só povo, por que criar divisões? Por que aceitar divisões, classificações, escalões?

39) Dos apóstolos e apóstolas...
De fato, a palavra “apóstolo” é antiga, mas seu uso atual é um verdadeiro “neo-logismo”. “Apóstolo” vem do verbo grego “apostello” que significa simplesmente ‘enviar’. Literalmente, portanto, “apóstolo” significa o que hoje chamamos de “missionário”, ou seja, “alguém enviado com uma missão”. Mais do que título, “apóstolo” é missão.

Mas na neo-linguagem religiosa, o título de “apóstolo” foi reinventado para indicar alguém que ocupa o topo da pirâmide do poder eclesial, talvez porque os títulos comuns não comportassem mais a sede de poder.

Gozado, os primeiros discípulos de Jesus foram chamados apóstolos para exercer uma função muito diferente. Paulo disse que eles foram colocados por último e por baixo de todos, como loucos, fracos, vis, sujeitos a fome e sede, agressões e risco de vida, como verdadeiro “lixo do mundo” (1Co 4.9-10).

Pergunta que não quer calar: Foi para isso que Lutero quebrou a hegemonia do papa católico? Para que seus herdeiros fizessem brotar ‘trocentos “mini-papas”? Para recriarem seus próprios ‘vaticanos’? Ou para recolocar os cristãos no trabalho missionário (apostello) de Cristo?

40) “Orai por Jerusalém” ou “Orai pela paz de Jerusalém!”
A frase é velha, mas o uso é “neo”. Ela consta no Salmo 122, um dos salmos de peregrinação dos judeus a Jerusalém, também usado na liturgia do templo. Essa preocupação com a cidade santa aparece também nos profetas. Jerusalém era o centro da religião e o lugar da habitação de Deus. Para o judeu, ir a Jerusalém era o grande momento da vida. Se Jerusalém estava em paz, tudo estava bem.

Mas, atualmente, a frase passou a integrar a neo-linguagem religiosa como se todos os cristãos devessem orar pela paz da cidade de Jerusalém, aquela dividida entre israelenses e palestinos, do moderno Estado de Israel!

Ora, os apóstolos ensinaram que devemos orar pelas autoridades de onde vivemos para que tenhamos vida boa e tranquila. A velha frase precisa ser atualizada. Assim o antigo “orai pela paz de Jerusalém” deve ser substituído por “orai pela paz de Curitiba” ou “orai por Brasília” e por aí vai…

Pergunta que não quer calar: Posso continuar orando pela paz da minha cidade e do meu bairro ou tenho mesmo de orar por um lugar que não tem nada a ver com minha vida nem com minha fé?

41) “Fulano é levita na casa de Deus!”
Ora, “levita” não tem nada a ver com “levitar” ou “ser leve”, como pode parecer… Trata-se de um adjetivo pátrio, referente aos descendentes de Levi, um dos filhos do patriarca Jacó, neto de Abraão. Quando os judeus conquistaram a Palestina, os levitas não receberam terras como as outras tribos, mas foram designados para todos os serviços religiosos. Depois da construção do templo, os levitas passaram a ser porteiros, guardas, padeiros, cantores, músicos ou ajudantes gerais dos sacerdotes. Com a destruição do templo dos judeus, acabou-se o serviço dos levitas.

Mas o neologismo religioso ressuscitou a figura do “levita” para designar as pessoas que atuam no serviço da música na igreja.

Gozado, segundo o Novo Testamento, todo seguidor de Cristo é um sacerdote… o que os protestantes chamam de “sacerdócio universal” dos cristãos.

Pergunta que não quer calar:
Se Cristo instituiu todo discípulo como “sacerdote”, por que “rebaixar” alguns a “levita”? Não dá para ser apenas “músico” e parar de inventar moda?

42) A figura pastor-ovelha
 “Pastor é pastor! Ovelha é ovelha!”

Ora, os termos “pastor” e “ovelha” nada mais são que uma “figura” emprestada da ovinocultura tão comum no sul da Palestina nos dias de Jesus.

E quando se usa uma figura de linguagem, nem todos os aspectos são relevantes ou aplicáveis. No caso presente, estão certamente em destaque “cuidado”, “orientação” e “alimentação”, mas não estão em destaque, por exemplo, o comércio de lã e dos próprios animais, a engorda e o abate de ovelhas, muito menos o uso delas para sacrifícios.

Mas, na neo-linguagem religiosa, “pastor” passou a representar um título hierarquicamente superior aos demais fieis, como se ele tivesse a mesma superioridade que o pastor-literal tem sobre as ovelhas-literais, e como se ele pudesse dispor das pessoas da comunidade como o pastor-literal pode dispor das suas ovelhas-literais.

Pergunta que não calar:
Você sabe interpretar uma figura de linguagem? Ou — cá p’ra nós — é tão tolo e indefeso como uma ovelha literal?

43) “Cuidado com as retaliações (ou retalhações?) do diabo!”
Antes, porém, é necessário fazer uma ressalva: não confunda “retaliar” com “retalhar”. Retalhar é “re”+”talhar”, de “talho”, que significa “dividir em partes usando um instrumento de cortar”, como em “retalhos”, p.ex. Já a palavra “retaliar” vem de “re”+”taliar”, de “talião”, em referência à “lei do talião” (de “talis”, tal), ou seja, aplicar castigo “tal e qual” o crime: “Olho por olho e dente por dente”.

Na neo-linguagem religiosa, é o sentido de “retaliar” que foi ressignificado para dizer que os espíritos maus retaliam (revidam) qualquer cristão que decide obedecer a Cristo. Por causa disso, há pessoas que não querem mais se envolver no serviço cristão por medo de represálias ( = “retaliações”).

A Bíblia não fala nada sobre temer “retaliação” ou “represália”. Pelo contrário, o Evangelho, Cristo disse: “Assim como o Pai me enviou, eu também os envio. Eu os envio como ovelhas no meio de lobos. Estarei sempre com vocês. Vocês terão autoridade sobre todo poder do mal e ninguém lhes causará dano” e outras palavras assim… Além disso, todo aquele que seguir a Cristo correrá permanente perigo de ter o mesmo destino do seu mestre. “Quem não é por mim, é contra mim”, disse Jesus.

Ordem de Cristo que não quer calar: “Eu tenho toda autoridade nos céus e na terra. Eu estou com vocês todos os dias até o fim! Portanto, vão!”



by Eliseu Pereira
Professor na Faculdade Batista do Paraná e na Faculdade Cristã de Curitiba
Estudou Teologia na instituição de ensino PUC PR
https://www.facebook.com/eliseugp


http://tele-fe.com/portal/category/serie-neologismos-religiosos