11.23.2015

NEOLOGISMOS DO MEIO GOSPEL (CONTINUAÇÃO)

44) “Eu recebi uma palavra “rhema” de Deus!”
Rhema? Rema? Remo? Rema, rema, remador…

Calma! “Rhema” não tem nada a ver com barco! O caso é até simples: trata-se de uma palavra grega que significa tão somente: “palavra”. Portanto, traduzindo a frase acima, seria: “recebi uma palavra ‘palavra’ de Deus!” Mas que raio significa isso?

Bem, lá pelos idos, num momento criativo (!), surgiu um neo-doutrina, segundo a qual Deus fala de duas maneiras (como se o infinito pudesse ser limitado a duas maneiras… rsrsrs): por meio da palavra “logos” e por meio da palavra “rhema”. Nesse vocabulário, “logos” seria a palavra escrita para todo mundo, a mensagem geral, ou seja, a Bíblia. E “rhema” seria uma palavra dita por Deus dirigida a uma pessoa, que pode constar na Bíblia ou não. Essa palavra “rhema” é a palavra criativa que as pessoas devem usar para “criar” realidades, determinar, declarar e por aí afora…

Mas o fato é que tanto a palavra “logos” como a palavra “rhema” são sinônimas. Ambas significam a mesma coisa: “palavra”. “Logos” é mais usada (aparece centenas de vezes) no Novo Testamento e é traduzida quase sempre como “palavra”, mas também como “linguagem”, “notícia”, “ensino”, “ditado”, ou seja, “o que se diz” (derivada do verbo “lego”, “dizer”). “Rhema” vem do verbo “rheo” que também significa “dizer”, “falar” (também ocorre uma vez como “fluir” em Jo 7.38).

Pergunta que não calar: Se o Deus Eterno-Pessoal falou por meio de Cristo, o “Logos” divino, como é possível reduzir a revelação de Deus a duas palavras — e ainda sinônimas?

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45) “Quebra de maldição hereditária”
Esse neo-logismo é brabo! Então, vamos por partes: “maldição” vem de “maldizer” (“mal” + “dizer”), ou seja, “dizer o mal” ou “desejar o mal”. Como as palavras humanas são apenas “sons” que carregam “ideias”, elas não criam nada, nem causam nada: nem o bem, nem o mal. A não ser aquele “bem” ou “mal” imediato e emocional de ouvir algo bom e ouvir algo mal! É claro que é mais agradável ouvir um elogio do que um xingamento! Ainda mais se quem o diz é alguém que tem importância e influência sobre aquele que ouve.

E é aí que entra o “hereditário”. A palavra vem de “herdeiro” e “herança”, que vêm de “herdar”, derivada do latim “heres”, que se refere às posses de uma família. Desse sentido material passou ao sentido biológico como características genéticas que passam de pais para filhos.

Então, em que sentido as “palavras más” poderiam ser “hereditárias”? Não no sentido material, nem biológico, obviamente! Apenas no sentido emocional, porque os pais têm importância e influência vital sobre os filhos. Se uma pessoa qualquer xingar um menino na rua, tudo que vai causar é certa raiva. Mas se é o pai que xinga o filho, essa raiva pode virar mágoa e durar muito tempo. Quanto tempo? Exatamente o tempo em que o filho as guardar no coração! Felizmente, no momento em que perdoar o ofensor e jogar fora as “palavras más”, ele estará livre!

Portanto, não há “maldição hereditária”! O que há são ofensas e mágoas decorrentes de relacionamentos afetivos. Mas isso se resolve com perdão!

Pergunta que não quer calar: Está magoado com seu pai ou mãe? Com algum parente? Perdoe e vá ser feliz!
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46) “Eu te abençoo, irmão!”
A palavra “bênção” é a síncope (contração) de “ben(di)ção” (perdeu a sílaba -di-), que vem de “bendizer” (“bem” + “dizer”), ou seja, “dizer o bem” ou “desejar o bem” (o contrário de “mal-di-ção”, “dizer o mal”). A palavra “benzer” — um tanto mais pretenciosa — mas, também significa apenas “bendizer” sem a sílaba perdida (-di-). A palavra grega para “bênção” (“eulogia”, de eu+logeo, de onde tiramos “elogio”) significa a mesma coisa: “falar bem” de alguém.

Nesse sentido, o neo-logismo “eu te abençoo” significa tão somente “eu desejo o seu bem”. A prova cabal é aplicar a frase a Deus. Quando o salmista dizia “bendirei a Deus” ou “bendito seja Deus”, ele estava pretendendo “falar bem de Deus” ( = “louvar”, “elogiar”) ou “acrescentar bem a Deus”? Ora, o menor não poderia abençoar o maior! Até as mães sabem que “abençoar” é prerrogativa exclusiva de Deus. Quando os filhos pedem sua bênção, elas respondem: “Deus te abençoe, meu filho!”

Mas, na neo-linguagem dos religiosos pós-modernos, não se acredita mais no “bem” que só Deus pode gerar. Pelo contrário, trocou-se “Deus” por “EU”. Saiu o “Deus te abençoe” e entrou o “EU te abençoo”. Faz sentido! Às vezes, a “benção” de Deus demora! Então “ah, vem cá que EU mesmo te abençoo!”

Pergunta que não quer calar: Acha mesmo que pode criar o “bem” a partir de si?

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47) “Ficar na brecha!” ou “Orar na brecha!”
Essa não chega a ser uma neo-palavra, mas tem sido mais usada do que entendida. A palavra “brecha” vem do indo-europeu “bregh-” passa pelo alemão antigo “brekan” e pelo inglês “break” (quebrar) e significa: ruptura, fenda, rachadura, fratura, quebra. Também formou a nossa palavra “briga” (romper)!

Mas, para chegar ao sentido religioso, é necessário evocar a “figura” que lhe serve de fundo. No mundo antigo, as cidades eram cercadas por muralhas de proteção, por isso havia grande preocupação com a conservação dos muros. Quando apareciam brechas no muro, era necessário que alguém guardasse aquele ponto fraco até que fossem reparadas.

A expressão ocorre no livro do profeta Ezequiel, onde Deus lamenta: “Busquei dentre eles um homem que estivesse tapando o muro, e estivesse na brecha perante mim por esta terra, para que eu não a destruísse; porém a ninguém achei” (Ez 22.30). No original hebraico, “brecha” é “peres” e o inimigo que ameaça a cidade é o próprio Deus! Portanto, esse figura aponta para “Cristo”, o “Mediador” que se põe na “brecha”, ergue-se sobre o abismo entre Deus e os homens.

Daí surgiu a expressão de “estar na brecha”, com o sentido de colocar-se em oração diante de Deus em favor de alguém (intercessão, mediação), assim como um soldado colocava-se na brecha do muro em favor da cidade cuja muralha estava rompida. Uma figura bonita de proatividade, solidariedade, responsabilidade, proteção…

É… faz sentido! Não chega a ser um neo-logismo! É talvez uma expressão idiomática! Apenas uma bela expressão “crentÊs”! Sem mais perguntas…
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48) “Eu tenho Cristo, não tenho crise!”
É um slogan muito usado… Bem, primeiro “Cristo” não pode ser colocado como antítese de “crise”, como se um excluísse o outro! A única coisa que “Cristo” e “crise” têm em comum é a sílaba “cri”… rsrsrs. E o que isso quer dizer? Nada!

Bem, a palavra “Cristo” é tradução do hebraico “Messias” (do verbo “mashah”, “ungir”) e significa “Ungido”. Inicialmente era um título de Jesus, mas como não tinha muito sentido em grego acabou virando um “sobrenome”: Jesus Cristo.

Já a palavra “crise” vem do grego “krisis”, do verbo “krino” que significa “julgar”, “separar”, “decidir”, “discernir”. Essa palavra formou diversas outras em português, como “crise”, “crítica” e “critério”. Literalmente, “crise” era um termo de uso médico, usado para descrever o estado do paciente que, após ser medicado, atingia um ponto “crítico”, a partir do qual sarava ou piorava. Podia até piorar para depois melhorar!

Ora, a palavra “crise” não aparece no Novo Testamento em português, mas em grego aparece muitas vezes, sendo traduzida como “julgamento”, “juízo”, “justiça”, “condenação”. Por exemplo, a famosa expressão “dia do juízo” é “emera kriseos” em grego, literalmente o “dia da crise”, dia da separação.

Então, no sentido cristão original, Cristo não eliminou as crises, pelo contrário Ele pôs o mundo em crise: suas palavras e gestos “julgam” (krineo) o mundo. Depois dEle, o “paciente” está em estado crítico: ou melhora ou piora de vez! Ou se salva ou se perde de vez!

É… a frase “tenho Cristo, não tenho crise” é bonitinha, mas serve apenas como slogan mesmo! O problema é que não dá para viver de slogan…

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49) “Ame a si mesmo!”
Essa é uma neo-linguagem típica da religião moderna! Segundo Jesus, toda a lei de Deus se resume a apenas dois mandamentos: o primeiro é “amar a Deus de todo o coração” e o segundo é “amar o próximo como a si mesmo”. Ambos os mandamentos estão qualificados (“de todo o coração” e “como a si mesmo”). Durante muito tempo, essas palavras de Jesus foram acatadas corretamente.

Mas nos tempos modernos, surgiu uma neo-hermenêutica que pretende criar um mandamento intermediário entre o primeiro e o segundo. O raciocínio é o seguinte: Se Jesus mandou que eu ame o próximo como a mim mesmo, então, antes de amar o próximo, eu preciso amar a mim mesmo e, só depois de suprido do meu “amor-próprio”, eu estarei em condições de amar o próximo.

Falso! Não existe o mandamento de amar a si mesmo, justamente porque o “amor a si mesmo” é um dado! Aliás, o nosso problema não é falta de “amor próprio”, mas o excesso — o “ego”ísmo!

Por isso, os dois mandamentos de Cristo invertem a lógica do amor-próprio em direção à alteridade: “Ama o seu próximo como a ti mesmo, porque ele é tu”. Segundo a lógica de Cristo, o primeiro mandamento (amar a Deus) dá condições para o segundo (amar o próximo). Entre um e outro, a pessoa já está completamente suprida de amor!

Pergunta que não quer calar: Amar a si mesmo para depois amar o próximo? Esqueça! Nunca haverá “amor-próprio” suficiente para encher o abismo do coração…

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50) “Suas palavras têm poder!” ou “Há poder em suas palavras!”
Esse é um neo-logismo “radical”, porque deu origem a diversos outros neologismos. Quase toda a neo-teologia da “confissão positiva” depende desse neologismo, de modo que, se a tese for contestada, a confissão positiva cai.

Ora, segundo a fé cristã, a palavra de Deus tem poder de criar a partir do nada! Em Gênesis 1.3 diz: “E disse Deus: ‘Haja luz!’ E houve luz”. Simples assim e sem maiores explicações! O próprio Cristo é chamado de “Palavra encarnada” de Deus: “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus e a Palavra era Deus. […] E a Palavra se fez carne” (João 1.1-3, 14). Portanto, a Palavra de Deus tem o poder de Deus.

Mas, a neo-linguagem religiosa se deixou seduzir por religiões místicas e pela indústria da autoajuda, segundo as quais o ser humano também tem o poder de “criar”, por meio da suas próprias palavras e da força de seu pensamento, aquilo que ele deseja: “Haja felicidade” e houve felicidade!… Oh, ‘vontadinha’ de ser Deus, hein!

Bem, de fato, o dom de “falar” é exclusivo do ser humano. Aliás, a fala é um dos principais distintivos entre os humanos e os animais. Embora os animais se comuniquem, não há nada como a capacidade humana de falar! Assim, o “falar” nos distancia do mundo animal e nos aproxima de Deus. Mas é só! O dom de “falar” não nos torna deuses, nem confere às palavras humanas o poder divino de criar! Palavras humanas são apenas “sons” que carregam “ideias”. E só!

Perguntas que não querem calar: Esse negócio de “palavras têm poder” não é arrogar para si o poder divino? Não é sintoma do desejo de “ser igual a Deus”? “Sereis como Deus” não nos lembra algo?

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51) “Avivamento!”
Esse é um neologismo puro porque foi criado especialmente pelos religiosos para indicar momentos de “despertamento” da fé. É um neologismo até antiguinho… Mas o fato é que “avivamento” não existe na Bíblia. Claro, o texto sagrado apresenta palavras sinônimas como “vivificar”, “reviver”, etc. com o mesmo sentido do neologismo. O dicionário também não ajuda muito. A palavra quer dizer apenas “avivar” que é “tornar vivo”, “re+viver”, “viver”.

Mais uma das aplicações mais simples da palavra “avivar” é quando se acende a lareira ou a churrasqueira. Para acender o fogo é preciso “avivar” as brasas. E como é que se faz isso? Por meio do vento (seja soprando, seja abanando) sobre o fogo.

Acho que esse é o sentido do neo-logismo religioso: no Pentecostes, o Espírito Santo foi simbolizado tanto pelo “fogo” como pelo “vento”. O fogo significa “vida viva”, e o vento é o que sustenta o fogo, ou seja, a vida.

Para “avivar” esse fogo “figurado” da fé cristã, há um vento também “figurado”, o sopro de Deus. Ora, nas línguas bíblicas originais, a palavra usada para “vento” é a mesma usada para “Espírito”: em hebraico, “ruah”; e em grego, “pneuma” (radical que existe em português em “apneia”, “pneu”, “pneumonia”, “pulmão”, etc. todas relacionadas a “ar”).

Portanto, assim como a vida física é sustentada pelo “vento no nariz” (a respiração), assim também a vida de fé é animada pelo “vento do Espírito”. Na Bíblia, o Espírito de Deus é o que dá vida e também é o que inspira (respira) a Palavra, o “Logos”, o Cristo.

Conclusão étimo(-e-)lógica: o Espírito de Deus aviva a fé por meio da Palavra de Cristo. Isso é avivamento! “Avivar” é “renovar a vida”, o “ânimo espiritual”, a fé em Deus. Ou é isso… ou então será apenas um neologismo mesmo!

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52) “Aleluia”
 “Aleluia” é uma palavra hebraica sem tradução. Por isso se diz “aleluia” em qualquer língua! Ao contrário do que se pensa, “aleluia” não é uma palavra de louvor a Deus, mas um convite ao louvor. Ela é composta de “hallelu” + “Yah”. “Hallelu” é um verbo e significa “louvai” e “yah” é a abreviatura do nome de Deus “Yahveh” (traduzido como Javé ou Jeová). Portanto, “aleluia” é, na verdade, uma frase, frase que era usada na liturgia do templo dos judeus quando os sacerdotes convidavam o povo à adoração de Javé. Eles diziam: “Louvem ao nosso Deus Javé”. Então o povo se prostrava e o louvava!

Assim, quando as pessoas dizem “Aleluia! Aleluia!” na verdade estão dizendo: “Louvem a Deus! Louvem a Deus!”

Tudo bem! O convite é uma das partes da liturgia. Mas a outra é o próprio louvor! Portanto, tem de chegar o momento em que se deve parar de “convidar ao louvor” e começar a “louvar” de fato! Senão será como a mãe que diz “vamos almoçar”, “vamos almoçar”, mas nunca serve o almoço!

Conclusão que não quer calar: Ou se louva a Deus com entendimento, ou então até a antiquíssima palavra “aleluia” será apenas um neologismo!

PS: E a frase não existe no plural “aleluiassss”.

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53) “Deus tem um plano para sua vida!”
Bem, para começo de conversa a Bíblia não usa a palavra “plano”, a não ser no sentido de “planície”. Ah, é verdade, ela fala de alguns “planos”, mas são planos de homens, como “plano” para construir o templo, “plano” para tirar a vida de Jesus, “plano” para emboscar o apóstolo Paulo, etc…

É, tem razão… embora a Bíblia não fale em “plano” de Deus, ela contém sinônimos como “propósito” ou “vontade” de Deus, mas em nenhum caso se trata do sentido neo-logístico de “projetos individuais”, senão de princípios gerais.

Mas a neo-linguagem religiosa criou um “Deus centrado no ser humano”, um Deus que realiza projetos pessoais e que tem “planos” escritos nas estrelas para cada pessoa. O que leva a um “fatalismo”, teologia do “destino”, que são teses absolutamente estranhas à fé cristã. Esse neologismo gera outras estranhezas como a tal da “vontade permissiva”, que é um neologismo de segundo grau! Ou… um jeitinho para acomodar uma tese não cristã dentro da nossa teologia!

É claro que a fé cristã fala de um Deus presente, imanente, um Deus que anda junto dos humildes, que trabalha para aqueles que nele esperam. Mas é um Deus que chama o ser humano para si, para aderir aos propósitos dEle — o que costumamos chamar de “caminho da salvação”!

Pergunta que não quer calar: se a Bíblia não fala em “plano de Deus para sua vida”, por que fazer desse neologismo um fundamento de fé? Por que não retomar o “anda na minha presença” e simplesmente viver a vida toda para Deus?
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54) Casamento blindado, corpo blindado… carro blindado…
“Blindar” vem do antigo indoeuropeu “bhel” (“brilhar”), de onde se formou, em francês, o substantivo “blende” (nome de um mineral muito brilhante) e o verbo “blinder” (“cegar”), em alemão o verbo “blenden” (“cegar”) e em inglês “blind” (“cego”, “cegar”). A ideia é de algo tão brilhante que “cega” os olhos, daí a acepção de “encobrir”, “tornar invisível aos olhos”, uma alusão às chapas metálicas que se usa para “blindar” carros, etc.

Bem, todo mundo sabe o que significa carro “blindado”! Mas ultimamente surgiu no território religioso um ultra-hyper-neologismo segundo o qual é possível “blindar” pessoas, relacionamentos, negócios, etc. Essa prática já é bem conhecida das religiões afro para a qual usam uma terminologia mais simples: “fechar o corpo”.

Mas, na fé cristã, sinto informar, essa prática é totalmente estranha. A Bíblia, evidentemente, não usa a expressão “blindar”. Ela fala em “cego”, sim, mas apenas no sentido físico ou espiritual. Mas em blindagem definitivamente não fala, nem em qualquer ritual de blindagem. Não se refere a essa prática nem por meio de palavras antigas que poderiam ser equivalentes.

A única proteção que a fé cristã oferece é a comunhão com Cristo. A fé cristã não é baseada em rituais ou magias… Pelo contrário, é baseada em um andar diário com Cristo, um permanecer em Cristo. E quer saber? É suficiente!

PS: aliás, se quiser blindar o carro, use chapas metálicas mesmo!
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55) “Vontade perfeita” e “vontade permissiva” de Deus.
Bem, “vontade” vem do latim “volunptatem”, de “volup”, do nome da deusa romana do prazer a “Volupta” ( = Hedoné, deusa grega), de onde tiramos o sentido de “volúpia”. A palavra evoluiu para “voluntad” (como aparece em “voluntário”), e daí para o verbo “volere” que se traduz em português por “querer”. Em inglês, “volo”, “wele” deu “will” (querer, vontade). Portanto, tudo isso apenas para demonstrar que “vontade” é o mesmo que “querer”.

A Bíblia fala muito sobre a “vontade de Deus”. Ele não apenas tem “vontade”, mas também tem “potência” para realizar tudo que deseja.

Mas o problema é que Deus deu ao homem o dom de ter “vontade” própria e como é difícil conciliar a “vontade” soberana de Deus com a “vontade” livre do ser humano, os religiosos modernos criaram estes dois neologismos: “vontade perfeita” e “vontade permissiva”.

“Vontade perfeita” seria o “plano A”, aquele plano “escrito nas estrelas”, ou seja, o destino eterno e pessoal de cada um. E a “vontade permissiva” seria um tipo de “plano B”, um plano de consolação para quem se perdeu do plano A. Tipo assim, Ele não gostou, mas deixa rolar… ou quebra o galho de quem perdeu o bonde do plano A. Ora, essa tal “vontade permissiva” é filha direta da teologia do “fatalismo”, do “plano de Deus para sua vida”…

Ora, a Bíblia não fala nada sobre “permissividade” de Deus. Aliás, as palavras “permissivo” e “permissividade” têm conotação negativa, de “falta de firmeza”, “fraqueza” e “indulgência”, o que seguramente não é o que a Bíblia diz sobre Deus.

Ela fala de um Deus soberano, que não perde o ponto nunca, aconteça o que acontecer. Tão soberano que nem a somatória de todas as decisões humanas simultâneas poderia surpreendê-lo ou afetá-lo. Um Deus que está sempre pronto a dar novo começo a qualquer tempo, que pode entrar no caminho as pessoas, mesmo quando tudo parece perdido.

Pergunta que não quer calar: Esse Deus que tem um tiro só na agulha não é meio humano demais? Que tal deixar Deus ser Deus e confiar na soberania que ele tem de realizar todas as coisas o tempo todo?
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56) “Batalha espiritual”
Que raio é isso? Ficção científica? A batalha de espíritos? Guerra nas estrelas? Batalha entre pessoas e espíritos?

Bem, vamos por partes: “batalha” vem do latim “batualia”, de “batuere” que é “bater”, ou seja, “dar golpes”, de onde também se chega à palavra sinônima “combate” (co+bater) ou “bater-se uns contra os outros”. O sentido é de luta, guerra, conflito entre duas partes.

“Espiritual” vem de “espírito”, do latim “spiritus”, do verbo “spirare” que aparece em “respirar” (“re”+”spirar”), significando, portanto, “ar”, “sopro”, “vento”. A palavra evoluiu para significar a substância imaterial, seja em referência a Deus, seja aos deuses, anjos, demônios.

Juntando os dois termos, dá o quê? Bem, a Bíblia contém muitos relatos de batalhas, mas todas elas com soldados de carne e osso, com armas reais e mortos reais. Mas fala (impressionantemente) pouco sobre guerra contra espíritos! Assim não há muito material canônico para servir de fonte para o neologismo “batalha espiritual”. Por isso é necessário andar com cuidado!

No principal texto sobre o tema, Paulo, escrevendo aos Efésios, diz que nossa luta não é contra pessoas de carne e osso, mas contra poderes que habitam acima e além das pessoas (o que ele chama de regiões celestiais).

Isso significa, antes de tudo, uma ruptura fundamental com a lógica da violência de todos os tipos. Jesus proibiu toda vingança e ensinou a perdoar e amar o inimigo! Paulo disse que o amor ao semelhante é o resumo mais radical de toda a lei de Deus, porque o amor ao semelhante pressupõe amor a Deus! Ora, se não há nenhuma possibilidade de violência contra pessoas, a que batalha Paulo se referiu? Contra quem? Com que armas?

Bem, a definição das “armas” indica a natureza tanto da “batalha” como do “adversário” a ser enfrentado. Assim, vejam as armas que Paulo recomendou aos cristãos. São as armas do próprio Deus. E — pasmem! — são as seguintes: verdade, justiça, paz, fé, salvação, amor e oração.

Eis aí as armas e, por dedução, os inimigos a serem combatidos! O que passar disso é “guerra santa” ou “alien-ação”!
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by Eliseu Pereira
Professor na Faculdade Batista do Paraná e na Faculdade Cristã de Curitiba
Estudou Teologia na instituição de ensino PUC PR
https://www.facebook.com/eliseugp



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