Por Eliseu Pereira
14) “Tá amarrado!”
Ora, em termos simples, ‘amarrar’ (do árabe, “marr” é “corda”) significa “prender com cordas” ou com correntes. Mas, no dialeto religioso, significa “amarrar espíritos” (provavelmente com cordas espirituais!), querendo dizer “anular uma ação maligna, manietando seu autor”.
A respeito do maligno, porém, a Bíblia ensina apenas duas coisas: expulsar e resistir.
Pergunta que não quer calar:
Se todos os espíritos amarrados até hoje estivessem, de fato, amarrados, isso aqui não seria o céu?
15) “Coincidência não! Jesuscidência!”
“Coincidência” é a junção de “co” + “incidência”, ou seja, aquilo que “incide ao mesmo tempo”, ou “quando duas ou mais coisas ocorrem ao mesmo tempo”.
E “jesuscidência”? Bem, esse é um neologismo em estado puro! É uma palavra criada especificamente para insinuar que coincidências não existem, mas são sempre sobrenaturais e causadas por Jesus! A conclusão grave é que toda coincidência passa a ser interpretada como uma ação sobrenatural de Jesus, o que é uma leitura extremamente simplista e perigosa.
Se duas coisas “caem juntas” (significado literal de ‘incidência’), ou se duas ou mais coisas se combinam, ou se uma situação parece fácil… nada disso significa, por si só, um “sinal divino”. Aliás, caminhos fáceis podem ser de Satã, e caminhos difíceis podem ser de Deus. Ou vice versa…
Portanto, sinto decepcionar, mas coincidências existem… e podem ser naturais, casuais e meramente acidentais. Também podem ser divinamente arranjadas ou malignamente armadas.
De modo que ouvir a Deus vai exigir sair da menoridade rumo à maturidade.
16) “Pela fé”
No neologismo religioso, a expressão “pela fé” pode significar as mais diferentes coisas como “fiz porque queria muito”, ou “decidi sem planejamento”, ou “comprei e tomara que dê certo” ou “viajei, agora seja o que Deus quiser”… e por aí vai…
Ora, a fé bíblica não é um fim em si mesmo. A fé é um substantivo que requer complemento nominal! Ou seja, não existe fé na fé, mas sempre “fé em” alguém! Fé em você mesmo, ou fé na sua própria vontade, definitivamente não é fé, pelo menos não é fé cristã.
Segundo a Bíblia, a fé cristã é uma postura de “adesão” (gr. pistis) integral a Deus, mediante a Palavra de Cristo (Rm 10.17). Por isso, a expressão “pela fé” só tem sentido cristão se for completada: “pela fé na palavra de Cristo” ou “sob a palavra de Cristo”.
Portanto, a pergunta é: Fez (decidiu, comprou, viajou, foi…) pela fé em quê, irmão?
17) Orações específicas
“Você orou e não foi atendido? É porque não fez a oração específica!”
Por essa lógica neo-religiosa, se você está pedindo qualquer coisa a Deus, seja bem específico, porque senão Ele fará apenas o que você pedir! É um Deus mecânico que não entende bem “orações” imperfeitas dos pobres seres humanos.
Ora, Jesus disse que o Pai sabe o que precisamos antes mesmo de lhe pedirmos (Mt 6.8). Ele também disse que se até nós sabemos dar coisas boas aos nossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará coisas boas aos que oram a Ele (Mateus 7.9-11). O profeta Isaías disse que Deus responderia antes que orássemos, e estando “eles ainda falando, eu os ouvirei” (Isaías 65.24). O salmista disse que Deus conhece os nossos pensamentos antes que eles se formem na mente (Salmos 139.4). Paulo disse que ninguém de nós sabe orar direito, mas o próprio Espírito de Deus nos ajuda a orar (Romanos 8.26-27).
Por isso a necessidade de fazer “oração específica” é um neologismo!
Portanto, a pergunta é: você está orando a um Deus mecânico, do tipo “máquina de refrigerante”, ou está orando a um Deus tipo “Pai”?
18) “A oração move a mão de Deus!”
Não, não move não…
“Oração” vem de “oris”, que significa ‘boca’, como se percebe claramente, por exemplo, na expressão “via oral”. Portanto, orar nada mais é do que “falar com a boca”. No sentido religioso, é claro, significa “falar com Deus”.
Ora, para todos os que creem em oração, Deus é um Ser Pessoal-Supremo, Todo-Poderoso, Todo-Amoroso, Todo-Bondoso, Todo-Justo, e vários outros destes “Todo-“…
Gozado, a Bíblia não fala sobre “oração controle-remoto”. Pelo contrário, diz que Deus sabe o que seus filhos precisam antes mesmo de pedirem… Para que orar então? Na verdade, a oração é um ato de amor, confiança e submissão a Deus.
Pergunta que não quer calar:
Acredita mesmo que suas pobres palavras humanas movem a mão do Todo-Poderoso? Acaso as orações têm o poder de dominar o Todo-Poderoso?
19) “Programa de coaching ministerial”.
Coatching, coaxing, não colting… Que raio é isso? Calma, não é de comer… “Coaching” vem do verbo inglês “coach” que significa “treinar”.
Mas antes de chegar a significar isso, a palavra original ‘coach’ significava simplesmente ‘coche’ (um tipo de carruagem confortável de quatro rodas com suspensão), que passou a ser fabricada no século XV. A palavra “coche” vem do inglês “coach”, que vem do alemão ‘kotsche’, que vem do húngaro ‘kocsi’, porque as carruagens eram fabricadas na aldeia de Kocs, Hungria. Em meados do século XIX, com o desenvolvimento das ferrovias, a palavra também passou a ser usada para se referir aos trens.
E foi justamente nessa época que a palavra assumiu o significado de “treinar”, “treino” e “treinador”, baseado na ideia de que, assim como o cocheiro conduz um coche, o ‘coach’ conduz (treina) uma pessoa. A palavra foi usada primeiramente para preparação de alunos e depois de atletas. Por isso, o técnico de um time é chamado ‘coach’ (treinador) em inglês.
Nos últimos anos, o termo ‘coaching’ passou a ser adotado para desenvolvimento de carreiras profissionais e treinamento de pessoas para tarefas e projetos específicos. De quebra, também invadiu a esfera do religioso, como um neologismo, um sinônimo de “discipulado”. A mudança pode parecer ingênua, mas como o “coaching” foi idealizado para empresas e profissões, ele nunca virá para a igreja sozinho. O “coaching” continua sendo focado em treinamento para resultados numéricos, financeiros, gerenciais. Sai o co-irmão, entra o especialista! Sai o companheiro de fé, entra o “personal coach espiritual”! Sai o bate papo de amigos, entra a técnica, os manuais, os esquemas, etc…
Pergunta que não calar: dá para deixar o treinamento no estádio, o ‘coaching’ na empresa e continuar fazendo apenas discípulos de Cristo na igreja?
20) Determinar
“Eu determino a vitória (etc.etc.etc.)!”
Ora, ‘determinar’ é “p’ra acabar”, ops… quer dizer, “p’ra terminar” (‘de’+’terminar’), “pôr termo”; é o mesmo que ‘dar a última palavra’ ou ‘mandar que aconteça’.
Gozado, na Bíblia não há casos de pessoas que dão palavra final sobre as coisas. Ao contrário, até Jesus Cristo orou com súplicas a Deus, dizendo “Não se faça a minha, mas a Tua vontade, Pai”.
Pergunta que não quer calar:
O ser humano dá a última palavra sobre alguma coisa nessa vida?
Acredita mesmo que “há poder em suas palavras”?
21) Orações dirigidas a Deus: “Restitua o que é meu!”
Ora, “restituir” significa “devolver o que foi tomado”. Deus não toma nada de ninguém, portanto não tem obrigação de restituir nada para ninguém. Pelo contrário, Ele é o verdadeiro dono de todas as coisas e liberalmente concede tudo para todos.
Ah, sim, é verdade… a Bíblia fala que “Deus restitui”: “Restituir-vos-ei…etc. etc…” Nesse caso, Ele promete devolver o que “outros” nos tomaram ou o que “nós” perdemos… Mas isso nada mais é do que outra de suas “concessões” graciosas. E, justamente por ser concessão e graça, é de iniciativa exclusiva d’Ele (sem obrigação de fazer) e jamais uma exigência de nossa parte…
Bem que Paulo avisou que não sabemos orar certo… rsrsrsrs
A pergunta é: que tal aprender a orar com os santos?
22) Gospel: Música “gospel”, movimento “gospel”, moda “gospel”.
Essa é um hiper-neo-logismo: “gospel” não vem de ‘guspe’ (cuspe) como se poderia imaginar. Pelo contrário, vem do inglês “good spell”, isto é, “boas novas” (numa tradução direta), ou seja, o mesmo significado da palavra grega ‘evangelho’ (‘eu’+’angelos’). Evangelho não é apenas “boa notícia”, mas uma notícia estupenda capaz de mudar o mundo. Esse era o sentido da palavra no mundo greco-romano quando Jesus nasceu.
Nos EUA foi usado para definir o estilo negro ‘spiritual’, mas no dialeto neo-religioso, significa tudo e nada ao mesmo tempo. Pode ser usado para definir estilo musical, eventos, produtos, mercado, e não sei mais o quê. Talvez uma maneira vassala de esconder o termo “evangélico” por trás do modismo de importar palavras.
Pergunta que não se deixa calar: Em um mundo com tantas más notícias, há ainda uma “boa notícia” para anunciar?
23) “Irmãos, a partir de hoje essa é a visão de Deus para a nossa igreja!”
A palavra “visão” vem de “vista”, “visto”, particípio passado do verbo “ver”. Ora, “ver”, em todos os idiomas pesquisados, significa “olhar com os olhos”, “enxergar”.
No âmbito religioso, “ver” tem uma conotação mística, no sentido de “ver” o invisível aos olhos, “ver” o sobrenatural. Mas isso os religiosos entendem. Em algumas religiões, apenas os “especiais” têm a “visão” e os iniciados devem se submeter a eles a fim de também receberem a “visão”!
No âmbito corporativo, porém, “visão” significa a formulação do que uma determinada empresa pretende alcançar no futuro próximo e como ela deseja ser vista na sociedade.
Pois eu acho que a “visão” que os líderes de igrejas tanto falam hoje é mais corporativa do que mística! É um tal de visão G12, G8, MDA, 5 por 1, 3 por 4, e visão “não sei o quê”… É, não ria não… porque é bem possível que sua igreja também esteja seguindo uma “visão” dessas aí com sopa de letrinhas e números! Se você não sabe, provavelmente é porque tá fora e nem percebeu… Porque “visão” corporativa é assim: ou tá dentro, ou tá fora!
Por isso, “visão” é um neologismo religioso — um fetiche, uma moda que subverte todas as tradições em prol de uma teoria da administração científica e empresarial aplicada à igreja de Jesus.
Perguntas que não se calam: podemos continuar seguindo apenas a “regra de fé e prática” ou teremos de começar a ler os manuais? Podemos seguir apenas a tradição dos nossos pais ou teremos de nos sentar aos pés dos gurus?
24) “Consultoria ministerial”
“Consultoria” vem de “consultor” que vem de “consulta” que sugere a ideia de “pedir conselhos” ou “pedir opinião”, normalmente um conselho ou opinião ou parecer técnico de um especialista. Por isso se diz “consultar o médico”, “consulte sempre um advogado”, etc.
Com a complexidade do mundo moderno, surgiram novos tipos de consultores, pessoas que oferecem (vendem) conselhos técnicos para empresas, carreiras e profissionais.
Agora, porém, surgiu um novo tipo de profissional: o “consultor de igrejas”, a pessoa especialista em… IGREJA! Tudo sobre crescimento de igreja, planejamento e estratégias, marketing, pesquisas de opinião, sondagem de “mercado”… ops!
Pobres cristãos da igreja primitiva que dependiam do Espírito Santo…
Sem perguntas…
25) “Programa de mentoreamento ministerial”, “seja um mentoreador”, etc.
“Mentorear” vem de “méntor”. “Méntor” não vem de “mente”, como pode parecer, mas ambas vêm de uma origem sânscrita comum: “man”. Na verdade, “mentor” vem da mitologia grega, da Odisseia de Homero! Era o nome do cara designado por Ulisses para cuidar de seu filho Telêmaco, enquanto ele estivesse na guerra. A palavra grega “mentor” é sinônima da latina “monitor”, do verbo “moneo”, que significa, literalmente, “indicar, mostrar”. Aliás, depois de Odisseia, Mentor tem sido nome de diversos personagens famosos do cinema e da TV. A palavra também costuma ser usada para se referir ao cérebro por trás de um plano, o “mentor intelectual” de uma quadrilha, por exemplo.
No sentido religioso, o “mentoring” já é usado há muito tempo, no espiritismo, para se referir ao ‘espírito guia’, que tem a função de orientar e proteger uma pessoa.
Mas agora, o “mentoring” se tornou a última moda nas igrejas, como substituto (ou sinônimo…) do “discipulado”. A partir desse neologismo, muitos estão relendo as Escrituras e interpretando o relacionamento de Jesus com seus discípulos (e outros casos de companheirismo) à luz do “mentoring”.
Ora, pergunta que não quer calar: Se, na época de Jesus, o Mentor já era conhecido há séculos, por que os primeiros cristãos não adotaram esse modelo? E, se, naquela época, o discipulado também já era praticado há séculos (pelos filósofos), por que Jesus o reinventou completamente e o recomendou aos seus seguidores?
26) “Ativar o dom” de profecia (ou outro qualquer) ou “ativar a fé”
Esse é um hiper-neo-logismo! A palavra “ativar” vem de “ativo”, que vem de “ato”, que vem de “agir”, que vem do latim “agere”, que vem do grego “ago” que significa “mover”, “fazer”, ou simplesmente “agir”. Bem, toda essa volta é apenas para dizer que “ativar” é o mesmo que “agir”, porém, esses verbos são usados de forma distinta. O verbo agir todo mundo entende, mas o verbo “ativar” tem sido usado para dizer algo como “colocar em ação algo que está pronto para ser usado”, como p.ex., ativar um software, um aplicativo ou uma função, ativar um cartão magnético, um dispositivo.
Mas no neologismo religioso, o verbo “ativar” tem sido usado no sentido de “colocar em ação um dom ou habilidade espiritual”. É como se os dons estivessem dormentes (latentes) e precisassem ser ativados por uma espécie de ritual! Para tanto, tem surgido profissionais especializados e cursos em ativar os dons das pessoas! Segundo esses ‘ativadores de dom’ profissionais, as pessoas recebem dons espirituais como um cliente recebe um cartão de crédito, o qual, antes de poder usar, deve ser desbloqueado — ou ativado!
Pergunta que não quer calar: vamos ter de criar mais um “clero” especializado (um atravessador) em ativar dons? Os dons que eram completos, agora são concedidos em duas fases?
by Eliseu Pereira
Professor na Faculdade Batista do Paraná e na Faculdade Cristã de Curitiba
Estudou Teologia na instituição de ensino PUC PR
Nenhum comentário:
Postar um comentário