Contexto histórico:
Após a morte do rei Salomão, o reino de Israel formado
por 12 tribos, fora dividido em duas partes, cada uma com seu próprio rei. A
parte norte tinha como sua capital Samaria, e a sul, Jerusalém (veja mapa
abaixo), considerada a capital política e religiosa estabelecida pelo Rei Davi.
Embora os dois reinos em diversas ocasiões pecaram
contra Deus, o reino do norte teve uma série de reis ímpios, fazendo o que era
mau aos olhos do Senhor.
E então o reino do norte foi sendo tomado por
estrangeiros, até cair diante do Império Assírio, culminando na miscigenação de
seus habitantes. Esse povo acabou se misturando com seus dominadores.
A palavra “samaritano”, devido à passagem de Lucas, que
vamos analisar mais a fundo em seguida, acabou ganhando o significado em nossos
dias, de pessoas caridosas, que ajudam o próximo, que tem compaixão
(divina) pelas pessoas que necessitam, muito embora, ‘samaritano’
originalmente, eram os habitantes de Samaria, cidade fundada por Onri, rei de
Israel, para ser a capital do reino do norte, conforme relatado em 1Rs 16:24:
E de Semer comprou o monte de Samaria por
dois talentos de prata, e edificou nele; e chamou a cidade que edificou
Samaria, do nome de Semer, dono do monte.
Chamamos hoje de “samaritanos”, aqueles que se
preocupam com os outros, que agem sempre a favor do bem, e que procuram ajudar
em qualquer circunstância e sem falsos interesses.
Já os samaritanos da Bíblia, eram desprezados pelos judeus,
porque descendiam de gentios e porque seu tipo de culto era diferente do
judaísmo ortodoxo (eles eram considerados um povo mestiço e sincrético).
Os samaritanos por exemplo, edificaram seu próprio templo de
adoração no Monte Gerizim, ao invés do Monte Sião. E desprezavam os escritos
proféticos e outras tradições judaicas, cosiderando apenas a Torá como
Escritura. E também mantinham seus próprios sacerdotes, que desaconselhavam a
adoração no Templo de Jerusalém.
Havia um ódio entre judeus e samaritanos portanto, que
podemos observar em Neemias 2.10,19; 4.1; e 6.1 quando Esdras e Neemias
procuraram enfatizar o zelo pela pureza do povo judeu remanescente do cativeiro.
A PASSAGEM:
Lc 10:25 E eis que se levantou um certo doutor da lei,
tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
HERMENÊUTICA: Aqui o objetivo foi testar, colocar Jesus à
prova (do grego ekpeirazo), provar seu caráter e poder, o que, segundo
1Cor10.9 não devemos fazer: “E não tentemos a Cristo, como alguns deles
também tentaram, e pereceram pelas serpentes”.
Os doutores da lei eram peritos na lei mosaica, e a pergunta
foi ardilosa. A vida eterna era um assunto recorrente nos debates religiosos, e
a intenção provavelmente foi ver que perspicácia o galileu possuía. Esse
intérprete da lei não estava genuinamente interessado na resposta de Jesus, mas
procurava encontrar algum motivo para acusá-lo.
CORRELAÇÃO:
Mt 22:34-35 E os fariseus, ouvindo que ele fizera emudecer os
saduceus, reuniram-se no mesmo lugar. E um deles, doutor da lei, interrogou-o
para o experimentar...
&
Mt 19:16-17 E eis que, aproximando-se dele um jovem,
disse-lhe: Bom Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna? E ele
disse-lhe: Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus. Se
queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos.
Lc 10:26 E ele lhe disse: Que está
escrito na lei? Como lês?
HERMENÊUTICA: Nosso
salvador aceitava a autoridade do VT como revelação de Deus. Essa pergunta dá a
entender que o doutor da lei poderia encontrar a resposta para sua dúvida nas
próprias Escrituras.
Lc 10:27: E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu
Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e
de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.
HERMENÊUTICA: A
resposta do doutor da lei foi dada com base em dois textos:
Dt 6.5: Amarás, pois, o SENHOR teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças.
Lv 19.18: Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos
do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHOR.
O primeiro fazia parte do Shema Judeu, ou credo, que
costumava ser recitado nas sinagogas. O “advogado” da Lei demonstrou
discernimento, pois Jesus também resumiu a Lei nos mesmos termos.
CORRELAÇÃO:
Rm 13:9: Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não
furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçarás; e se há algum outro
mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti
mesmo.
Lc 10:28 E disse-lhe: Respondeste
bem; faze isso, e viverás.
HERMENÊUTICA: Amar a Deus com perfeição é o cumprimento da
Lei. Amar a Deus implica em confiar nele para obter perdão, o que, resulta em
vida.
CORRELAÇÃO: Lv 18.5; Ne 9.29; Ez 20.11;
Lv 18:5 Portanto, os meus estatutos e os meus juízos
guardareis; os quais, observando-os o homem, viverá por eles. Eu sou o
SENHOR.
Ne 9:29 E testificaste contra eles, para que voltassem para a
tua lei; porém eles se houveram soberbamente, e não deram ouvidos aos teus
mandamentos, mas pecaram contra os teus juízos, pelos quais o homem que os
cumprir viverá; viraram o ombro, endureceram a sua cerviz, e não quiseram
ouvir.
Ez 20:11 E dei-lhes os meus estatutos e lhes mostrei os meus
juízos, os quais, cumprindo-os o homem, viverá por eles.
Lc 10:29 Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse
a Jesus: E quem é o meu próximo?
HERMENÊUTICA: Percebendo
que fora apanhado por suas próprias palavras, o doutor aqui hesitou, usando uma
pergunta evasiva, tentando contornar a situação, uma vez que os judeus não
reconheciam que um samaritano poderia ser o “seu próximo”.
Os judeus tinham várias ideias a respeito de quem era o
“próximo”, porém todas elas reservavam o termo para os israelitas.
Lc 10:30 E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores,
os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.
HERMENÊUTICA: Alguns
argumentam que essa história pode ter sido real. Jerusalém (a 800m acima do
mar) e Jericó (400m abaixo do nível do mar) fivavam próximas, e a estrada cheia
de curvas e estreita, entre desfiladeiros rochosos, eram usadas por
salteadores, que podiam facilmente se esconder.
Lc 10:31 E,
ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de
largo.
Lc 10:32 E de
igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de
largo.
HERMENÊUTICA: Os
levitas serviam no Templo, e nem o sacerdote nem o levita ajudaram o homem. Há
quem diga que possivelmente pensassem que estivesse morto e não quiseram se
contaminar pelo contato com um cadáver (Números 19.11) atravessando o caminho
pelo lado oposto.
Lc 10:33 Mas um
samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima
compaixão;
CORRELAÇÃO:
Jo 4:9: Disse-lhe, pois, a mulher samaritana: Como, sendo tu
judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? (porque os judeus
não se davam com os samaritanos).
HERMENÊUTICA: Jesus nunca fomentou esse ódio entre judeus e
samaritanos. Ele esteve em Siquem, uma cidade com muitos samaritanos, e sua
hospitalidade para com eles impressionou a mulher samaritana junto ao poço de
Jacó.
Compaixão, do grego “splagchnizomai”, isto é, ser movido
pelas entranhas, pois se achava que as entranhas eram a sede do amor e da
piedade.
HERMENÊUTICA: O
samaritano estava arriscando sua vida, pois os salteadores ainda poderiam estar
escondidos nas proximidades. Jesus mostrou que o samaritano teve a atitude de
amor que a Lei exigia.
Nessa parábola de crítica ao sistema religioso, a plateia
esperava que Jesus, após ter mencionado um sacerdote e um levita, fosse
mencionar um leigo israelita. A inclusão do samaritano, bem como da sua
bondade, foi algo totalmente inesperado. O óleo servia para aliviar a dor, e o
vinho agia como antisséptico (Fonte: Bíblia de Estudo de Genebra).
Lc 10:35 E,
partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e
disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando
voltar.
HERMENÊUTICA: Dois
denários eram equivalentes ao salário de dois dias. Ele estava pagando as despesas
de um completo estranho, só por causa de sua boa vontade. O denário era um
moeda feita de prata e essa quantia daria para pagar a hospedagem completa de
uma pessoa por até dois meses.
Lc 10:36 Qual,
pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos
salteadores?
HERMENÊUTICA: Essa
pergunta envergonhou o doutor e obrigou-o a admitir que o verdadeiro próximo
não foi nenhuma das autoridades sacerdotais do Judaísmo, mas o samaritano
(rejeitado pelos judeus).
Lc 10:37 E ele disse: O que usou de
misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira.
HERMENÊUTICA: Aqui o
doutor evita dizer que foi claramente “o samaritano”, então ele diz “aquele que
usou de misericórdia” numa manobra de linguagem.
Misericórdia do grego “eleos”, boa vontade ao
miserável e aflito, associada ao desejo de ajudar a pessoa, sendo
misericordioso, clemente.
APLICAÇÃO:
Parábola é uma narrativa alegórica que transmite uma mensagem
indireta, por meio de comparação ou analogia. E Jesus gostava muito de usá-las
para transmitir ensinamentos. A parábola do samaritano, em questão, teve o
intuito claro de mostrar-nos que a piedade é um sentimento muito importante.
Fica nítido o ensino de que todos nós devemos ter
compaixão pelo próximo, e que a depeito de cargos e posições, o que importou
aqui foi a boa ação (a caridade), a humanidade, a bondade. Colocar-se no lugar
do outro.
- Quem é o meu próximo afinal?
O meu próximo é aquele que necessita de amparo,
indepentemente de quem seja. Jesus ensina a amar o próximo como a nós mesmos, o
próximo “é aquele que não sou eu”. E não importa a aparência, idade, raça,
origem, cor, religião, gênero, posses, opinião política, etc.
Quando Jesus curou dez leprosos, o único que voltou
para agradecer-lhe foi justamente um samaritano. Jesus também repreendeu a Tiago
e João, que desejaram a destruição de um vilarejo samaritano que não demonstrou
hospitalidade:
Lc 9:51-56: E aconteceu que, completando-se os dias
para a sua assunção, manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém. E mandou
mensageiros adiante de si; e, indo eles, entraram numa aldeia de samaritanos,
para lhe prepararem pousada,
Mas não o receberam, porque o seu aspecto
era como de quem ia a Jerusalém
E os seus discípulos, Tiago e João, vendo
isto, disseram: Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma,
como Elias também fez?
Voltando-se, porém, repreendeu-os, e
disse: Vós não sabeis de que espírito sois.
Porque o Filho do homem não veio para
destruir as almas dos homens, mas para salvá-las. E foram para outra aldeia.
Aqui aprendemos que não podemos odiar nossos irmãos (cristãos)
de outras denominações, de outros segmentos evangélicos, pois se assim o
fizermos, estaremos agindo como judeus x samaritanos.
At 1:8: Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.
Outra aplicação possível dessa passagem, que ouvi de certo pregador, é a seguinte:
Muita gente acha que a parábola fala somente de
justiça social, mas essa parábola também pode ser entendida como uma parábola
de redenção!
O homem assaltado e quase morto vê um levita passar
pelo mesmo caminho, e um sacerdote que tambêm não faz nada.
O samaritano de viagem (repare que ele não era de lá,
e foi rejeitado pelos judeus), encontra o homem caído, ferido e quase morto.
Esse homem no chão nos representa. Representa a
humanidade caída à espera de socorro, de misericórdia.
Os salteadores, a maldade das pessas do mundo, onde
Satanás é o príncipe, e influenciador. Ele vem para matar, roubar e destruir
(João 10.10).
Agora repare:
‘E, aproximando-se, atou-lhe as feridas,
deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para
uma estalagem, e cuidou dele’.
Ele coloca óleo e vinho, o que na Bíblia significam,
cura e renovo, mudança de vida.
Ele paga o preço que é necessário. E o deixa numa
hospedaria (igreja).
O bom samaritano aqui seria o próprio Jesus, que pagou
preço de sangue na Cruz e disse que voltaria.
O levita e o sacerdote seriam a religião em si, com
sua insuficiência para redimir aquele homem. Somente o Messias (o ‘samaritano’
que surgiu ali na parábola) foi capaz de ter compaixão, de amar e salvar aquele
homem, não importando quem era.
...
Curiosidade:
Inaugurado em 25 de janeiro de 1894, no bairro de
Higienópolis, em São Paulo, o Hospital Samaritano nasceu com a missão de
atender a todos, sem distinção de religião. Essa foi a motivação do imigrante
chinês José Pereira Achao ao doar todos os seus bens à Igreja
Presbiteriana antes de morrer. Um pouco antes, ele teve que se converter ao
catolicismo para conseguir atendimento na Santa Casa de Misericórdia de São
Paulo. Um grupo de imigrantes britânicos, norte-americanos e alemães, apoiados
por tradicionais famílias paulistas, adotou a ideia e fundou o hospital.
Ricardo Miranda
...
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