10.08.2023

A PARÁBOLA DO SAMARITANO


 

Contexto histórico:

Após a morte do rei Salomão, o reino de Israel formado por 12 tribos, fora dividido em duas partes, cada uma com seu próprio rei. A parte norte tinha como sua capital Samaria, e a sul, Jerusalém (veja mapa abaixo), considerada a capital política e religiosa estabelecida pelo Rei Davi.

Embora os dois reinos em diversas ocasiões pecaram contra Deus, o reino do norte teve uma série de reis ímpios, fazendo o que era mau aos olhos do Senhor.

E então o reino do norte foi sendo tomado por estrangeiros, até cair diante do Império Assírio, culminando na miscigenação de seus habitantes. Esse povo acabou se misturando com seus dominadores.


A palavra “samaritano”, devido à passagem de Lucas, que vamos analisar mais a fundo em seguida, acabou ganhando o significado em nossos dias, de pessoas caridosas, que ajudam o próximo, que tem compaixão (divina) pelas pessoas que necessitam, muito embora, ‘samaritano’ originalmente, eram os habitantes de Samaria, cidade fundada por Onri, rei de Israel, para ser a capital do reino do norte, conforme relatado em 1Rs 16:24:

E de Semer comprou o monte de Samaria por dois talentos de prata, e edificou nele; e chamou a cidade que edificou Samaria, do nome de Semer, dono do monte.

Chamamos hoje de “samaritanos”, aqueles que se preocupam com os outros, que agem sempre a favor do bem, e que procuram ajudar em qualquer circunstância e sem falsos interesses.

Já os samaritanos da Bíblia, eram desprezados pelos judeus, porque descendiam de gentios e porque seu tipo de culto era diferente do judaísmo ortodoxo (eles eram considerados um povo mestiço e sincrético).

 

Os samaritanos por exemplo, edificaram seu próprio templo de adoração no Monte Gerizim, ao invés do Monte Sião. E desprezavam os escritos proféticos e outras tradições judaicas, cosiderando apenas a Torá como Escritura. E também mantinham seus próprios sacerdotes, que desaconselhavam a adoração no Templo de Jerusalém. 

 

Havia um ódio entre judeus e samaritanos portanto, que podemos observar em Neemias 2.10,19; 4.1; e 6.1 quando Esdras e Neemias procuraram enfatizar o zelo pela pureza do povo judeu remanescente do cativeiro.

 

 

A PASSAGEM:

 

Lc 10:25 E eis que se levantou um certo doutor da lei, tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar a vida eterna?

 

HERMENÊUTICA: Aqui o objetivo foi testar, colocar Jesus à prova (do grego ekpeirazo), provar seu caráter e poder, o que, segundo 1Cor10.9 não devemos fazer: “E não tentemos a Cristo, como alguns deles também tentaram, e pereceram pelas serpentes”.

 

Os doutores da lei eram peritos na lei mosaica, e a pergunta foi ardilosa. A vida eterna era um assunto recorrente nos debates religiosos, e a intenção provavelmente foi ver que perspicácia o galileu possuía. Esse intérprete da lei não estava genuinamente interessado na resposta de Jesus, mas procurava encontrar algum motivo para acusá-lo.

 

 

CORRELAÇÃO:

 

Mt 22:34-35 E os fariseus, ouvindo que ele fizera emudecer os saduceus, reuniram-se no mesmo lugar. E um deles, doutor da lei, interrogou-o para o experimentar...

 

&

 

Mt 19:16-17 E eis que, aproximando-se dele um jovem, disse-lhe: Bom Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna? E ele disse-lhe: Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus. Se queres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos.

 

 

Lc 10:26 E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês?

 

HERMENÊUTICA:  Nosso salvador aceitava a autoridade do VT como revelação de Deus. Essa pergunta dá a entender que o doutor da lei poderia encontrar a resposta para sua dúvida nas próprias Escrituras.

 

 

Lc 10:27: E, respondendo ele, disse: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo.

 

HERMENÊUTICA:  A resposta do doutor da lei foi dada com base em dois textos:

 

Dt 6.5: Amarás, pois, o SENHOR teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças.  

 

Lv 19.18: Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHOR.

 

O primeiro fazia parte do Shema Judeu, ou credo, que costumava ser recitado nas sinagogas. O “advogado” da Lei demonstrou discernimento, pois Jesus também resumiu a Lei nos mesmos termos.

 

 

CORRELAÇÃO:

 

Rm 13:9: Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçarás; e se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.

 

 

 

Lc 10:28 E disse-lhe: Respondeste bem; faze isso, e viverás.

 

 

HERMENÊUTICA: Amar a Deus com perfeição é o cumprimento da Lei. Amar a Deus implica em confiar nele para obter perdão, o que, resulta em vida.

 

CORRELAÇÃO: Lv 18.5; Ne 9.29; Ez 20.11;

 

Lv 18:5 Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; os quais, observando-os o homem, viverá por eles. Eu sou o SENHOR.

 

Ne 9:29 E testificaste contra eles, para que voltassem para a tua lei; porém eles se houveram soberbamente, e não deram ouvidos aos teus mandamentos, mas pecaram contra os teus juízos, pelos quais o homem que os cumprir viverá; viraram o ombro, endureceram a sua cerviz, e não quiseram ouvir.

 

Ez 20:11 E dei-lhes os meus estatutos e lhes mostrei os meus juízos, os quais, cumprindo-os o homem, viverá por eles.

 

 

Lc 10:29 Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?

 

HERMENÊUTICA:  Percebendo que fora apanhado por suas próprias palavras, o doutor aqui hesitou, usando uma pergunta evasiva, tentando contornar a situação, uma vez que os judeus não reconheciam que um samaritano poderia ser o “seu próximo”.

 

Os judeus tinham várias ideias a respeito de quem era o “próximo”, porém todas elas reservavam o termo para os israelitas.

 

Lc 10:30 E, respondendo Jesus, disse: Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto.

 

HERMENÊUTICA:  Alguns argumentam que essa história pode ter sido real. Jerusalém (a 800m acima do mar) e Jericó (400m abaixo do nível do mar) fivavam próximas, e a estrada cheia de curvas e estreita, entre desfiladeiros rochosos, eram usadas por salteadores, que podiam facilmente se esconder.

 

 

Lc 10:31 E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo.

 

Lc 10:32 E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo.

 

 

HERMENÊUTICA:  Os levitas serviam no Templo, e nem o sacerdote nem o levita ajudaram o homem. Há quem diga que possivelmente pensassem que estivesse morto e não quiseram se contaminar pelo contato com um cadáver (Números 19.11) atravessando o caminho pelo lado oposto.

 

 

Lc 10:33 Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão;

 

 

CORRELAÇÃO:

 

Jo 4:9: Disse-lhe, pois, a mulher samaritana: Como, sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? (porque os judeus não se davam com os samaritanos).

 

HERMENÊUTICA: Jesus nunca fomentou esse ódio entre judeus e samaritanos. Ele esteve em Siquem, uma cidade com muitos samaritanos, e sua hospitalidade para com eles impressionou a mulher samaritana junto ao poço de Jacó.

 

Compaixão, do grego “splagchnizomai”, isto é, ser movido pelas entranhas, pois se achava que as entranhas eram a sede do amor e da piedade.

 

 

Lc 10:34 E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele;

 

HERMENÊUTICA:  O samaritano estava arriscando sua vida, pois os salteadores ainda poderiam estar escondidos nas proximidades. Jesus mostrou que o samaritano teve a atitude de amor que a Lei exigia.

 

Nessa parábola de crítica ao sistema religioso, a plateia esperava que Jesus, após ter mencionado um sacerdote e um levita, fosse mencionar um leigo israelita. A inclusão do samaritano, bem como da sua bondade, foi algo totalmente inesperado. O óleo servia para aliviar a dor, e o vinho agia como antisséptico (Fonte: Bíblia de Estudo de Genebra).

 

 

Lc 10:35 E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar.

 

 

HERMENÊUTICA:  Dois denários eram equivalentes ao salário de dois dias. Ele estava pagando as despesas de um completo estranho, só por causa de sua boa vontade. O denário era um moeda feita de prata e essa quantia daria para pagar a hospedagem completa de uma pessoa por até dois meses.

 

 

Lc 10:36 Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?

 

 

HERMENÊUTICA:  Essa pergunta envergonhou o doutor e obrigou-o a admitir que o verdadeiro próximo não foi nenhuma das autoridades sacerdotais do Judaísmo, mas o samaritano (rejeitado pelos judeus).

 

 

Lc 10:37 E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira.

 

HERMENÊUTICA:  Aqui o doutor evita dizer que foi claramente “o samaritano”, então ele diz “aquele que usou de misericórdia” numa manobra de linguagem.

 

Misericórdia do grego “eleos”, boa vontade ao miserável e aflito, associada ao desejo de ajudar a pessoa, sendo misericordioso, clemente.

 

APLICAÇÃO:

Parábola é uma narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de comparação ou analogia. E Jesus gostava muito de usá-las para transmitir ensinamentos. A parábola do samaritano, em questão, teve o intuito claro de mostrar-nos que a piedade é um sentimento muito importante.

Fica nítido o ensino de que todos nós devemos ter compaixão pelo próximo, e que a depeito de cargos e posições, o que importou aqui foi a boa ação (a caridade), a humanidade, a bondade. Colocar-se no lugar do outro.

- Quem é o meu próximo afinal?    

O meu próximo é aquele que necessita de amparo, indepentemente de quem seja. Jesus ensina a amar o próximo como a nós mesmos, o próximo “é aquele que não sou eu”. E não importa a aparência, idade, raça, origem, cor, religião, gênero, posses, opinião política, etc.

Quando Jesus curou dez leprosos, o único que voltou para agradecer-lhe foi justamente um samaritano. Jesus também repreendeu a Tiago e João, que desejaram a destruição de um vilarejo samaritano que não demonstrou hospitalidade:

Lc 9:51-56: E aconteceu que, completando-se os dias para a sua assunção, manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém. E mandou mensageiros adiante de si; e, indo eles, entraram numa aldeia de samaritanos, para lhe prepararem pousada,

Mas não o receberam, porque o seu aspecto era como de quem ia a Jerusalém

E os seus discípulos, Tiago e João, vendo isto, disseram: Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez?

Voltando-se, porém, repreendeu-os, e disse: Vós não sabeis de que espírito sois.

Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las. E foram para outra aldeia.

Aqui aprendemos que não podemos odiar nossos irmãos (cristãos) de outras denominações, de outros segmentos evangélicos, pois se assim o fizermos, estaremos agindo como judeus x samaritanos.

At 1:8: Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra.

Outra aplicação possível dessa passagem, que ouvi de certo pregador, é a seguinte:

Muita gente acha que a parábola fala somente de justiça social, mas essa parábola também pode ser entendida como uma parábola de redenção!

O homem assaltado e quase morto vê um levita passar pelo mesmo caminho, e um sacerdote que tambêm não faz nada.

O samaritano de viagem (repare que ele não era de lá, e foi rejeitado pelos judeus), encontra o homem caído, ferido e quase morto.

Esse homem no chão nos representa. Representa a humanidade caída à espera de socorro, de misericórdia.

Os salteadores, a maldade das pessas do mundo, onde Satanás é o príncipe, e influenciador. Ele vem para matar, roubar e destruir (João 10.10).

Agora repare:

‘E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele’.

Ele coloca óleo e vinho, o que na Bíblia significam, cura e renovo, mudança de vida.

Ele paga o preço que é necessário. E o deixa numa hospedaria (igreja).

O bom samaritano aqui seria o próprio Jesus, que pagou preço de sangue na Cruz e disse que voltaria.

O levita e o sacerdote seriam a religião em si, com sua insuficiência para redimir aquele homem. Somente o Messias (o ‘samaritano’ que surgiu ali na parábola) foi capaz de ter compaixão, de amar e salvar aquele homem, não importando quem era.

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Curiosidade:

Inaugurado em 25 de janeiro de 1894, no bairro de Higienópolis, em São Paulo, o Hospital Samaritano nasceu com a missão de atender a todos, sem distinção de religião. Essa foi a motivação do imigrante chinês José Pereira Achao ao doar todos os seus bens à Igreja Presbiteriana antes de morrer. Um pouco antes, ele teve que se converter ao catolicismo para conseguir atendimento na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Um grupo de imigrantes britânicos, norte-americanos e alemães, apoiados por tradicionais famílias paulistas, adotou a ideia e fundou o hospital.


Ricardo Miranda



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